Nesta secção apresentam-se as biografias de alguns dos artistas maiores do Fado de Coimbra. Trata-se de uma recolha que poderia ser imensamente extensa, tal foi o número de cultores deste género musical até à data, mas por razões práticas apenas figuram os nomes cuja vida e obra foram mais prementes no cenário e sua evolução até aos dias de hoje.
Para uma análise mais aprofundada, recomenda-se os dois volumes consagrados ao Fado de Coimbra editados pela Ediclube no âmbito da colecção "Um Século de Fado". Os volumes foram redigidos e coordenados por José Niza e abrangem uma série de dados históricos, bem como as biografias de uma extensíssima lista de cultores.
A obra não se encontra à venda em lojas, podendo apenas ser encontrada ocasionalmente em alfarrabistas ou feiras do livro usado.
Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira nasceu no Porto, a 9 de Abril de 1942. Aos 17 anos matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas nunca chegou a acabar o curso.
Adriano nasceu e viveu num meio familiar tradicionalista e católico. Com poucos meses de idade foi residir para Avintes, na Quinta de Porcas, onde viveu também os seus últimos dias. Ali fez a instrução primária e, depois, no Porto, o curso dos liceus, no Colégio Almeida Garrett e no Liceu Alexandre Herculano.
Em Avintes iniciou-se no teatro amador e colaborou na fundação da União Académica de Avintes. Iniciou-se também na prática do voleibol - beneficiando dos seus dotes atléticos e da sua altura - e mais tarde, já em Coimbra, foi campeão nacional desta modalidade.Nesta cidade Universitária desenvolveu grande actividade nos organismos estudantis da Academia: cantou e foi solista no Orfeon Académico, fez parte do Grupo Universitário de Danças Regionais e integrou o CITAC (Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra) onde representou várias peças.
Chegado a Coimbra, Adriano Correia de Oliveira cedo se evidenciou na Academia, quer através da sua intervenção cultural e política, quer através da prática desportiva.
A sua primeira ambição musical, com 17 anos de idade e ainda “caloiro”, foi a de tocar viola eléctrica no Conjunto Ligeiro da Tuna Académica, do qual faziam parte José Niza, Daniel Proença de Carvalho, Rui Ressurreição, Joaquim Caixeiro e outros. Como José Niza já “ocupava” o lugar de guitarrista, Adriano abandonou a ideia e dedicou-se ao canto, iniciando-se naturalmente pelo Fado de Coimbra, tendo gravado o seu primeiro disco - “Noites de Coimbra” - em 1960.
Nessa altura vivia-se ainda em Coimbra uma das fases mais ricas da canção feita pelos estudantes, dominada pelas vozes de Luis Goes, Fernando Machado Soares, e José Afonso e pelas guitarras de António Brojo, António Portugal, Jorge Tuna, Jorge Godinho e Eduardo e Ernesto Melo.
Adriano - embora não tendo sido contemporâneo, nos estudos, dos cantores referidos - conviveu com eles, sobretudo com José Afonso e Machado Soares, os quais, embora já fora de Coimbra, continuaram a manter uma ligação muito estreita com a vida académica e a influenciar os cantores estudantes dos anos 60, dos quais Adriano foi companheiro: Barros Madeira, Lacerda e Megre, Sousa Pereira, Vitor Nunes, José Mesquita, José Miguel Baptista, António Bernardino e outros.
A obra completa de Adriano foi editada pela Movieplay Portuguesa e contém os 90 títulos originais que o cantor deixou gravados, todos eles para a Editora Arnaldo Trindade, Lda - Discos Orfeu.
Em 1963, com a gravação de “Trova do vento que passa”, Adriano iniciou uma nova fase da sua intervenção musical e política, que veio - tal como José Afonso -, a imprimir à música popular portuguesa uma dimensão ímpar e nova.
Citando Manuel Alegre, a “voz do Adriano era uma voz alegre e triste. Solidária e solitária, havia nela ternura e mágua, esperança e desesperança, amparo e desamparo, festa e luta. E também saudade e fraternidade. Nenhuma outra voz portuguesa, com excepção da de Amália Rodrigues e José Afonso, está tão carregada desse não sei quê antigo que trazemos no sangue, como o apelo do mar e o amor da terra, como toada e o som do nosso próprio ser, do seu ritmo secreto, da sua música primordial. Voz de Fado e de destino, herança talvez do mouro e do celta que nos habitam, a voz de Adriano tinha também o masculino apelo do rebate e do combate. Era uma voz que precisava de poesia e de que a poesia precisava”.
Adriano Correia de Oliveira faleceu em Avintes, em 16 de Outubro de 1982.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Alfredo Correia Augusto da Glória Correia, nasceu no Porto, filho de transmontanos. Seus pais eram professores do ensino primário numa aldeia do Nordeste e foi do Nordeste (Santa Comba de Vilariça) que cresceu e se fez menino e moço. Aí estão as suas raízes familiares como são daí as mais remotas e profundas influências culturais.
Na cidade do Porto, estudante do Liceu D. Manuel II (hoje Escola Secundária Rodrigues de Freitas) fez parte do orfeon sob a regência do mestre e musicólogo Armando Lopes (Leça) de quem recebeu o conselho de frequentar aulas de canto.
Repartiu por esta cidade e por Trás-os-Montes os primeiros anos da sua juventude e o meio citadino e rural marcaram, de certo, a sua personalidade e criaram o gosto pela música (ia com frequência às aulas do Conservatório), e em particular pelo Fado de Coimbra. Neste aspecto, foi relevante a influência de sua mãe que, senhora de excelente voz, e alguns conhecimentos musicais, cultivara aquele género em canto e piano, muito ao gosto da época, quando estudante e, depois disso, em convívio com colegas e amigos.
Recordam-se dessa época as "rondas" que, nas noites quentes de Verão, se faziam, cantando pelas ruas não só as canções populares como as "modas novas" que vinham da cidade. Recordam-se o bater o fado na taberna ou no largo da Barreira, como os cantares e descantes nas pisas.
Em 1952, matriculou-se na Universidade de Coimbra, na Faculdade de Direito onde veio a obter o grau de licenciado. Viviam-se então em Coimbra momentos e acontecimentos académicos que a marcaram como época áurea nas tradições culturais e praxrs, revivificadas dos factos e costumes de outros tempos.
Fez parte do Orfeon Académico de Coimbra como promeiro tenor.
Trazia lá dentro de si todo um ambiente ouvido, lido e sonhado, do António Menano , Edmundo Bettencourt, Lucas Junot ... os fados e canções que sua mãe lhe ensinara ou aprendera na grafonola.
Daqueles grandes cantores, particularmente de António Menano , recebeu notória influência no estilo de canto, na forma imprimida à vocalização como veículo de expressão de sentimentos e emoções, como até na temática poética das letras.
Em fins do ano de 1975, dispôs-se a reavivar a velha tradição musical coimbrã que considerou hostilizada e malsinada até por quem a servira e dela se servira e faz um pequeno grupo com Jorge Gomes (guitarra), e Manuel Dourado (viola) que veio depois a ser enriquecido com a participação de António Brojo (guitarra) e Aurélio Reis (viola). É este grupo que dá em Coimbra os primeiros espectáculos públicos de fados e guitarradas em 1976 e 77 (Fevereiro) no cinema S. Teotónio, a par de actuações a convites particulares.
Deste grupo vam a fazer parte a voz de José Mesquita. Altera-se porém a sua composição e o grupo passa a ser constituído por António Brojo e António Portugal (guitarras), Aurélio Reis e Luis Filipe (violas) e a voz de José Mesquita e com os quais participa em várias manifestações académicas e culturais da Reitoria da Universidade de Coimbra, da Associação Académica, das Comissões Centrais da Queima das Fitas, da Associação dos Antigos Estudantes de Coimbra quer em Coimbra quer em Lisboa, da Câmara Municipal de Coimbra, etc.
Grava também programas para a RDP (1981 - Serenatas de Coimbra - RDP Centro) e RTP e participa em diversos espectáculos.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Ângelo Vieira Araújo nasceu, em 1920, em S. João da Madeira.
Em 1936, terminou o liceu no Porto, onde ingressou na Universidade. Em 1937, transferiu-se para Coimbra. Aqui, o seu nome tornou-se numa referência incontornável na música e na poesia da cidade dos estudantes.
Depois de concluída a licenciatura em Medicina e Cirurgia, mudou-se para Lisboa. Especializando-se em Medicina Física e de Reabilitação, estagia em importantes instituições de saúde no estrangeiro, designadamente em Inglaterra.
Várias unidades hospitalares nacionais contaram, durante anos, com os seus serviços, a que juntou a assistência aos detidos da prisão de Caxias. Actualmente, colabora como médico especialista no Hospital Militar Principal, do qual foi director da Fisiatria, entre 1984 e 1990.
Fonte: http://www.oregional.pt/breakingnews/news.asp?Id=1112
Intervenção de Paulo Sucena na evocação ao Berna, promovida pela Associação Cultural Coimbra Menina e Moça em Ois da Ribeira.
O fado de Coimbra, ou a canção de Coimbra, como preferirem, faz parte do património cultural do povo português, não só por razões estéticas mas também pelo que ele(a) representa social e historicamente na sociedade portuguesa, em que uma das sendas mais importantes será, com certeza a sua face rebelde, libertária e humanista, fermento da liberdade e da democracia.
O amigo que, hoje, é evocado é um dos nomes maiores da canção de Coimbra, uma figura incontornável do panorama musical e cultural do nosso país. Homenageá-lo é lembrar uma personalidade de âmbito nacional e não apenas concelhio.
António Bernardino começou a cantar fados de Coimbra ainda estudante no Liceu de Aveiro. Quando chegou a Coimbra, em 1963, assumiu deliberadamente a influência de José Afonso e Adriano, bem como da guitarra de António Portugal. Sem esquecer a obra inovadora de outras duas grandes figuras da canção de Coimbra – Luís Goes e Fernando Machado Soares.
Em 1967, António Bernardino foi incorporado no serviço militar, findo o qual, por razões da vida em que o amor não é razão menor, rumou a Moçambique, no início da década de 70, e aí permaneceu até 1974.
António Bernardino gravara o seu primeiro disco dez anos antes, disco em que avultam duas interpretações inexcedíveis – “Samaritana” e “Ao morrerem os olhos dizem”. Em 1969, surge a público um marco inapagável da música de Coimbra – “Flores para Coimbra”, um LP em que predomina a poesia de Manuel Alegre e a música de António Portugal. Além deste instrumentista, o que mais duradouramente acolheu a voz de Berna, o cantor de Ois da Ribeira teve o privilégio de ser acompanhado pelos melhores executantes da guitarra e da viola de Coimbra: os irmãos Eduardo e Ernesto Melo, Octávio Sérgio, Nuno Guimarães, Manuel Borralho, Francisco Martins, Hermínio Menino, António Brojo, João Bagão, Rui Pato, Durval Moreirinhas, Jorge Moutinho, Aurélio Reis, Luís Filipe, Humberto Matias, Fernando Plácido, Levy Baptista.
Não é também possível esquecer a participação de António Bernardino numa obra ímpar, repositório incontornável da canção de Coimbra: os seis LP intitulados “Tempos de Coimbra”. É ainda indispensável assinalar que ninguém teria divulgado tanto a canção coimbrã no estrangeiro como António Bernardino. A sua voz fez-se ouvir nos Estados Unidos da América, na ex- -União Soviética, no Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Tailândia, Macau, Malásia, Angola, Moçambique, Cabo Verde, etc., etc., etc.
Com a morte de Berna desapareceu, porventura, a última grande voz nascida da raíz do canto coimbrão, uma voz com um registo médio admirável, uma voz que provinha de lá, de onde as guitarras engendram a sua música. Por isso, a guitarra de António Portugal foi companheira apaixonada de uma singular aventura pelas sendas da beleza e da intervenção transformadora do mundo e da vida. Creio ser justo afirmar que a música de António Portugal, de Nuno Guimarães, Francisco Martins, Rui Pato e o corajoso canto de António Bernardino, erguidos do húmus fecundo da poesia de Manuel Alegre, são símbolo e marco perene e revolucio-nário da crise académica que abalou a Universidade de Coimbra em 1969.
A morte de António Bernardino calou uma voz primordial porque nela se entreteciam, com rara sensibilidade, os quatro elementos – terra e água, ar e fogo. Sendo uma voz de magnífica plasticidade, era, também, tal a de Luís Goes, uma voz de cobre: dúctil e maleável por onde passava admiravelmente o calor humano e a electricidade das emoções. O canto de Berna era inteligência e emocionalidade plasmados numa brilhante simbiose.
Era, acima de tudo, uma voz muito humana, a voz de alguém generoso e solidário, simples e fraterno, corajoso e tolerante. Berna era um invulgar criador de amizades e de climas de quente e cordial convívio. Porque essa era a sua verdadeira matriz, granjeou muitas amizades mesmo nas distantes comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo onde cantava até à exaustão, acompanhado por António Portugal e seus companheiros, ou apenas pela sábia viola de Durval Moreirinhas.
A morte, ao levar precocemente António Bernardino, levou com ela, de forma brusca e avara, um querido amigo de mais de 30 anos, arco de tempo que encerra milhentas lembranças que não quero evocar, salvo uma, a última, porque ainda hoje me magoa a memória.
Reporta-se ela ao último momento de convívio, num almoço no distrito de Setúbal, seguido de amena cavaqueira, em que participaram também o Manuel Alegre, o Durval Moreirinhas e o Armando Marta, discreta e afectuosamente acolhidos pela sua querida companheira de uma vida, num espaço a que eu chamei a sua Ois da Ribeira mítica, transposta para um hectare situado na parte rural do concelho de Sesimbra, onde erguera um casarão e agricultava a terra circundante. Sabíamos que estávamos a despedir-nos um do outro, por isso percorremos a casa e a “quintinha”, metro a metro, ficando por vezes no ar palavras suas, de onde a esperança no futuro havia sido arredada. Então, as lágrimas afloravam aos nossos olhos e corriam. Vinham de fontes diferentes, mas eram como que água do mesmo rio – aquele que só corre pelo leito da amizade.
António Bernardino morreu. A sua perda é inexorável, todavia a sua figura está gravada a fogo na prata viva da mais afectiva memória dos que o conheceram. Permitam, a terminar, que vos deixe um segredo: eu sei que algures, pelo tempo fora, haverá sempre uma guitarra a tocar com saudades da sua voz.
António Pinho de Brojo nasceu em 28 de Novembro de 1928, em Coimbra. Fez o liceu nesta cidade e licenciou-se na Escola Superior de Farmácia. Em 1950 concluiu, na Universidade do Porto, a licenciatura em Ciências Farmacêuticas, regressando a Coimbra para passar a exercer as funções de Assistente na Faculdade de Farmácia, entretanto criada.
De 1954 a 1958 preparou a tese de doutoramento na Universidade de Basileia, onde foi Assistente, doutorando-se na Universidade do Porto em 1961. É Professor Catedrático da Faculdade de Farmácia da Universidade. Foi Vice-Reitor da Universidade. Foi também, o 1º Presidente da Assembleia Municipal de Coimbra e foi candidato a deputado, pelo PS, às eleições legislativas de 1983.
Iniciou-se na guitarra quando andava no liceu, em 1941, e teve como “professores” os guitarristas João Bagão, José Maria Amaral e Carvalho Homem, os quais acompanhou a partir de 1945. Foi contemporâneo dos cantores Augusto Camacho Vieira, Anarolino Fernandes, Alcides Santos, Alexandre Herculano e dos violas Aurélio Reis, Mário de Castro e Tavares de Melo, com os quais se iniciou o programa radiofónico “Serenata de Coimbra”, emitido pelo Emissor Regional de Coimbra da ex-Emissora Nacional.
A sua passagem pelo Porto ficou também assinalada pela sua colaboração com o Orfeon Universitário desta cidade e com guitarristas e cantores como Cunha Gomes, Viriato Santos, Aureliano Veloso (pai de Rui Veloso), Álvaro Andrade e Napoleão Amorim.
Em 1951, de novo em Coimbra, constitui com Florêncio de Carvalho, José Afonso, Luis Goes, Fernando Rolim, mais tarde, Fernando Machado Soares, e ainda com António Portugal, um grupo histórico, que regista - em 1953 - oito discos de 78 rotações por minuto, e que constituem as primeiras gravações de todos os nomes atrás citados (excepto Fernando Machado Soares, que gravou pela primeira vez em 1956).
Em 1961 - e depois de diversas viagens a África, Brasil e Goa, entre outras - António Brojo desloca-se a Angola e Moçambique, integrado como professor, num Curso de férias. Em Lourenço Marques (no Rádio Clube de Moçambique), grava um EP, posteriormente editado pela etiqueta “Alvorada”, com Almeida Santos, Roxo Leão, Gabriel de Castro e Caseiro da Rocha.
Segue-se um período de sensível redução da sua actividade musical - entre 1967 e 1977 - ano em que volta aos estúdios para gravar mais dois LP’s com José Mesquita.
Com o regresso de António Portugal a Coimbra, depois de terminada a sua actividade de deputado na Assembleia da República, reconstitui-se o histórico grupo dos anos 50, agora naturalmente com novos cantores, como António Bernardino, Alfredo Correia, Luís Marinho e José Mesquita.
Os últimos anos, sempre integrado no grupo de que também faziam parte António Portugal e Aurélio Reis e Luís Felipe (nas violas), constituíram para o Professor Brojo um período de intensa actividade musical, em Portugal e no estrangeiro, em programas de televisão e em gravações de discos.
Em Junho de 1994, António Brojo viajou com António Portugal, Bernardino e outros, até ao Oriente (Tailândia, Malásia). Foi a última digressão que realizou com o seu companheiro de sempre, António Portugal, falecido poucos dias depois do regresso ao nosso país.
Os dois guitarristas preparavam - e tinham quase concluída - a gravação de dois LP’s de guitarradas, em que ambos são solistas.
Cinco anos mais tarde também Pinho Brojo nos deixaria, falecendo em 25 Agosto de 1999
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Nascido nas fraldas da Serra da Estrela de uma família de 12 irmãos, António Menano foi sem sombra de dúvida o mais conhecido e popular cantor de Fados de Coimbra. Tal como Hilário, o fabuloso cantor boémio seu antecessor, também António Menano cedo se tornou ídolo da Academia, enriquecendo o espírito estudantil de Coimbra e a lenda Coimbrã de uma certa boémia própria da juventude, de fados e serenatas, misto de arte e romantismo, de sonhos e ilusões.
António Menano está tão intimamente ligado ao Fado de Coimbra e este a ele que verdadeiramente não se pode dissociar um do outro. Falar de António Menano é falar do Fado de Coimbra e da década de oiro. Segundo nos conta João Seabra (nº 56 de Jan/Fev de 1944, da Revista Turismo), a lembrança e a saudade do Hilário foram esmorecendo com o tempo mas as guitarradas e os cantadores continuaram a ouvir-se no Mondego. Um dia todos os rouxinóis se calaram para ouvir um outro que erguia mais alto os seus harmoniosos trinados, o estudante António Menano.
Mais nos conta que a recordação do seu nome traz à memória a loucura que se apossou de Coimbra e, depois, de Lisboa e de todas as terras do País, para ouvirem a sua voz de tenor. Diz-nos ainda que iam a Coimbra milhares de pessoas só para o ouvir cantar e, em Lisboa, nalgumas festas em que participou, mesmo em recintos de grande lotação, como o Coliseu e o Jardim Zoológico, os bilhetes se esgotavam e a ansiedade para o ouvir era enorme, tendo-lhe sido prestadas ovações “como raras vezes se fizeram às maiores celebridades líricas”. O Dr. João Falcato vai até mais longe e afirma que essas ovações apoteóticas nunca se fizeram às maiores celebridades líricas (in Coimbra dos Doutores, 1957, Pág. 169).
Os chamados irmãos Menano (Francisco, Horácio, António e Alberto) constituíram a mais famosa e fecunda plêiade de finos artistas que passou por Coimbra, precedida no final do século passado por outros dois Menanos, José Paulo Menano e Paulo da Costa Menano (ambos formados em 1901 e 1903 respectivamente) que se notabilizaram em récitas e outras actividades artísticas.
Matriculado na Universidade, António Menano vê despontar a sua estrela em Março de 1915, quando canta um fado em Aveiro, num Sarau organizado pela Associação Académica de Coimbra, com a participação da Tuna e do Orfeon. É nesse ano lectivo de 1914-15 que se procede à reorganização do Orfeon Académico, agora sob a regência do saudoso Dr. Elias de Aguiar e onde António Menano se torna solista e ensaiador do naipe dos primeiros tenores, passando também a cantor “titular” de fados e canções nos Saraus e outros espectáculos e actividades que se realizavam.
Talvez seja interessante abrir aqui um pequeno parentesis para referir que o seu irmão Francisco, exímio guitarrista e excelente compositor, fora, anteriormente e até concluir o curso de Direito em 1912, ensaiador do naipe de segundos tenores do Orfeon, quando este era dirigido por António Joyce, e que um dos guitarristas que habitualmente acompanhava António Menano era, além de Paulo de Sá, Alberto Menano, seu irmão. Um outro guitarrista que por vezes também o acompanhou foi o seu irmão, Horácio. Nos anos 20, Artur Paredes foi também um dos seus acompanhantes habituais.
No final desse ano lectivo, em 10 de Junho de 1915, na festa de homenagem a Camões promovida pelos alunos do Liceu José Falcão, de Coimbra, António Menano foi convidado a participar e, em vez dos habituais fados, surge a cantar um trecho de “Os Lusíadas” que fora musicado pelo já referido Dr. Elias de Aguiar. É também em 1915 que surge a primeira edição musical com fados de autoria de António Menano, “Os três mais lindos fados de Coimbra” publicada pela Livraria Neves, à Rua Larga, com o fado “D’um olhar” (“As meninas dos meus olhos”), de Alexandre de Rezende, dedicado “Ao António Menano”, com quadras populares, sendo os outros fados de autoria de António Menano, o “Fado das Morenas” (“Todos gostam das morenas”), dedicado “Ao Estevão Neto”, com uma quadra popular e três outras de Fernando Correia, e o “Fado da Noite” (“Há quem diga que quem chora”) dedicado “Ao J. Gambôa”, com cinco quadras de Alberto Fernandes Martins.
No ano lectivo de 1915-16, em Fevereiro, na excursão do Orfeon Académico ao Porto, Braga e Vila do Conde, António Menano consagra-se definitivamente como estrela de primeira grandeza do meio artístico Coimbrão, acompanhado à guitarra por Paulo de Sá e Alberto Menano.
Os anos de 1917, 1918 e 1919 constituem um período relativamente morno em termos de Fados e Guitarradas, contribuindo talvez para isso o artigo de Manuel da Silva Gaio, ao tempo Secretário da Universidade, publicado na Illustração Portugueza de 29/4/1918, pedindo aos estudantes para não cantarem o “venenoso cogumelo do fado, produto originário da viela urbana” e, em vez disso, entoarem as cantigas populares do Orfeon.
Curiosamente, este período coincide de certo modo com o facto de António Menano ter passado a cantar canções acompanhadas ao piano, em vez dos tradicionais fados que haveriam de ser profusamente divulgados e conhecidos através dos discos de 78 RPM, de edições musicais impressas e de rolos para auto-pianos, consagrando definitivamente para a posterioridade o seu nome e o registo da sua voz.
Em 1918 António Menano passa a integrar a Direcção do Orfeon Académico e nas fogueiras de S. João desse ano novamente canta canções populares portuguesas, com muito agrado e satisfação dos presentes, e não fados.
Em Dezembro de 1919, a A.A.C. promove um Sarau Musical no Teatro Avenida, organizado pelo próprio António Menano, no qual também participa e cujo programa não contém qualquer fado ou guitarrada. E no Sarau promovido pelo Orfeon e pela Tuna no Teatro Sousa Bastos também não haveria fados nem guitarradas. No final de 1919 surge a primeira proibição de se fazerem serenatas. A imprensa local reage contra esta medida policial e a proibição, em vez de acabar com os fados e as guitarradas, provoca aparentemente o seu ressurgimento. Entretanto vem a lume uma colecção de edições musicais do “Reportório do Orfeon da Universidade”, com fados de António Menano (“Patriótico”, “Da Granja”, “Das Romarias”, “Do Choupal”, “Dos Passarinhos” e “Morena”) que alcançaram enorme sucesso, tendo quase todos eles atingido a quarta edição antes de 1923, fados que também foram gravados em rolos para auto-piano.
Em Abril de 1923, António Menano, já casado mas ainda não formado, participa na digressão do Orfeon e da Tuna a Espanha, actuando em Salamanca, Madrid e Valladolid. Na Monumental Praça de Madrid, na presença dos Reis de Espanha e encontrando-se a Praça completamente cheia, António Menano obteve um retumbante sucesso repetindo os fados várias vezes, inclusivé a pedido do Rei, sendo de notar que apesar de não dispor de qualquer amplificação sonora, a sua voz encheu a praça de toiros. A acompanhá-lo estiveram, como sempre, Paulo de Sá e Alberto Menano.
Em Junho de 1924, o Orfeon Académico segue para Paris, onde actua no Trocadéro, realizando depois saraus em Toulouse, Bordéus e Bayona. António Menano toma parte na digressão, cantando fados com Agostinho Fontes, acompanhados à guitarra por Manuel Paredes, outro grande guitarrista da época, tio do célebre Artur Paredes.
Concluido o curso de Medicina, António Menano passa a exercer clínica em Fornos de Algodres, terra natal da família Menano e onde seus pais, António da Costa Menano e D. Januária Paulo Menano, residiam. Embora já formado, continua muito ligado à vida artística e académica de Coimbra, onde certas tradições estudantis se revitalizavam.
António Menano tornar-se-ia definitivamente o cantor de Coimbra mais conhecido e de maior fama em todo o país com as gravações que fez entre os anos de 1927 e 1929, em Paris, Lisboa e Berlim, para a Companhia Odeon de Paris. De todos os cantores da chamada Década de Oiro da Academia de Coimbra, António Menano foi aquele que mais discos gravou e maior e mais estrondoso sucesso alcançou. Pena é que o seu espantoso talento de cantor não se possa aquilatar muito através dos discos pois, além das gravações terem sido efectuadas por processos mecânicos, os acompanhamentos de guitarra e viola são, de uma maneira geral, francamente modestos.
Em 1929, por ocasião da célebre Exposição Ibero-Americana de Sevilha, o Dr. António Menano, apesar de já ter concluído a sua formatura há alguns anos, foi o cantor escolhido para a “Embaixada Artística” enviada pela Academia de Coimbra para actuar no festival oferecido aos Reis de Espanha aquando da inauguração do Pavilhão de Portugal e que era constituída por mais três elementos: Artur Paredes, solista e acompanhador; Afonso de Sousa, 2ª guitarra; e Guilherme Barbosa, viola.
Anos depois, em 1933, abandonando voluntáriamente a sua meteórica e impressionante carreira artística, que fora a mais prometedora da Década de Oiro (1920 a 1930), o Dr. António Menano parte para Moçambique onde exerce clínica durante quase 30 anos, pois só em 1961 regressaria definitivamente. A sua última residência foi na Rua José Falcão, nº 57, 5º Esq, em Lisboa, onde viria a falecer.
De tempos a tempos aparecia em Coimbra e acabava sempre a cantar fazendo-o em qualquer sítio, desde que isso se proporcionasse; uma noite acabou por cantar nas escadas da secular Igreja de Santa Cruz, “feita de pedra morena”, perante o entusiasmo e admiração da multidão que ali logo se juntou e que obrigou a parar o transito.
Em 1967, dois anos antes da sua morte, teve ainda duas brilhantes actuações que foram bastante noticiadas e ficaram na lembrança. A primeira em Coimbra, na madrugada de 24 de Junho, do alto das escadarias da Sé Velha, por ocasião da reunião do Curso Jurídico de 1907-1912, de que fazia parte Francisco Menano, seu irmão, na Serenata Monumental que ali teve lugar com a participação de três cantores de uma nova geração, José Manuel dos Santos, António Bernardino e Luis Goes. António Menano, que veio cantar quatro fados, provocou a maior admiração pela forma maravilhosa como um septuagenário conseguia cantar assim. A sua última actuação pública teve lugar em 16 de Dezembro por ocasião da inauguração em Lisboa da Galeria Rodin, do pintor Mário Silva, que reuniu muitos antigos estudantes de Coimbra, entre os quais Luis Goes, Jorge Tuna, João Bagão. Aurélio Reis, Tossan e Vitorino Nemésio. António Menano cantou duas das suas melhores interpretações, o “Fado dos Passarinhos” e o “Fado da Ansiedade”.
António Menano morreu em 11 de Setembro de 1969 mas a sua memória perdura na nossa lembrança, e a saudade da sua voz pode ser algo mitigada ouvindo os discos que nos deixou.
Fonte: CD “António Menano” - Fados, Volume II
José Anjos de Carvalho
António Jorge Moreira Portugal nasceu em 23 de Outubro de 1931, na República Centro-Africana, e morreu em Coimbra, a 26 de Junho de 1994, com 63 anos.
Com um ano de idade foi viver para Coimbra (a sua família era de Penacova) e aí fez a escola primária, os estudos secundários e se licenciou em Direito.
Foi no Liceu D. João III que conheceu Luís Goes e José Afonso e que os começou a acompanhar, em 1949, com um grupo constituído por Manuel Mora (2º Guitarra) e Manuel Costa Brás (militar de Abril e ex-ministro) e António Serrão, à viola.
António Portugal teve como professores dois guitarristas “futricas”, barbeiros de profissão e irmãos (o Flávio e o Fernando), tendo acompanhado o primeiro até à morte deste, em 1950.
Em 1951 matriculou-se na Faculdade de Direito e ingressou na Tuna e Orfeon Académico.
Em 1952 conhece António Brojo, que o convida para integrar o histórico grupo de fados e guitarradas do qual faziam parte os cantores Luís Goes, José Afonso, Florêncio de Carvalho, Fernando Rolim e, um pouco mais tarde, Fernando Machado Soares. Para além de António Brojo e de António Portugal, nas guitarras, faziam ainda parte do grupo os violas Aurélio Reis e Mário de Castro.
Em 1953 - e depois de muitos anos em que não se gravaram discos de Fado de Coimbra - o grupo liderado por António Brojo registou uma série de 8 discos de 78 rotações por minuto.
António Portugal, durante mais de 45 anos, esteve omnipresente em tudo o que se relaciona com a “Canção de Coimbra”.
De 1949 a 1994, criou uma obra ímpar, quer pela qualidade e inovação das suas composições e arranjos, quer pela forma como sabia ensaiar os cantores, e com eles criar uma dinâmica de acompanhamento que o distingue de todos os outros guitarristas do seu tempo. Mas não só: António Portugal deixou, de longe, a mais ampla e completa discografia do Fado e da Guitarra de Coimbra.
Embora de forma esquemática e muito resumida, o percurso musical de António Portugal poderá ser dividido em quatro fases.
A primeira, iniciática, em que António Portugal se aplica na execução e pesquisa da guitarra, e na sua colaboração, já referida, com os maiores e mais importantes nomes da geração de 50.
A segunda, que inicia com a formação do grupo do “Coimbra Quintet” (Luís Goes, Jorge Godinho - 2º guitarra, também já falecido e Manuel Pepe e Levy Batista), corresponde à transição para a renovação do fado e da guitarra de Coimbra, que culminou com a gravação da “Balada de Outono”, de José Afonso e onde, pela primeira vez ao lado de António Portugal, surge a viola de Rui Pato.
A terceira fase - início dos anos 60 - é fundamentalmente marcada pela canção de intervenção e pelos nomes de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre. A “Trova do vento que passa”, de que António Portugal é autor da música, é o hino e o emblema da resistência ao regime e à guerra colonial.
A quarta e última fase, é também a mais longa: é o período da maturidade e da consagração.
Depois do 25 de Abril, António Portugal, que ao londo dos anos tinha sído um activista político persistente e eficaz na luta contra o fascismo, “trocou” temporáriamente a guitarra pela política activa, quer na Assembleia Municipal de Coimbra (onde foi, até à sua morte, líder da bancada do PS), quer na Assembleia da República, como deputado.
Ultrapassado o período revolucionário de 1975 - em que a onda de contestação não poupou também as tradições coimbrãs - e com o “regresso” de António Brojo ao gosto e ao gozo da Guitarra, reconstituiu-se o grupo dos anos 50 e foi reiniciada uma actividade de intensa participação, quer em espectáculos em Portugal e por todo o mundo, quer numa série de programas para a RTP, quer ainda a gravação de uma colectânea de 6 LP’s, “Tempos de Coimbra - oito décadas no canto e na guitarra”, onde se registam, para a história - desde Augusto Hilário à actualidade - dezenas de fados e guitarradas, fruto de laboriosa e cuidada recolha.
A sua morte imterrompeu o seu último projecto, que vinha realizando com António Brojo, sobre a guitarra de Coimbra: ambos os solistas preparavam um duplo album de guitarradas, em que alternadamente se acompanhavam um ao outro, e que já ia a caminho da finalização.
No dia 10 de Junho de 1994, quando se encontrava no Oriente para actuar com o seu grupo nas Comemorações do Dia de Portugal, o Presidente da República, Dr. Mário Soares, atribui-lhe, em Coimbra, a Ordem da Liberdade.
António Portugal não teve a alegria de ver, e ostentar, essa justíssima condecoração porque, à chegada ao aeroporto de Pedras Rubras, foi vitimado por acidente vascular cerebral, morrendo dias depois, em Coimbra.
Como escreveu o conceituado Rui Vieira Nery, na Revista do jornal “Expresso”, “A morte de António Portugal, encarnação modelar da guitarra coimbrã e de toda a tradição que nela se foi condensando ao longo destes dois últimos séculos, deixa-nos aquela espécie de vazio doloroso que é a de uma perda simultaneamente individual e geral. Perdemos um músico excelente que marcou decisivamente a nossa música popular urbana dos anos 60 e 70, mas perdemos também uma trave-mestra desse universo cada vez mais frágil e mais difuso que é o da guitarra portuguesa e, especificamente, o da guitarra de Coimbra”.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Artur Paredes foi um guitarrista genial, “o génio revolucionário da guitarra coimbrã”.
Muitos julgarão que a guitarra de Coimbra tenha começado com ele, mas não é bem assim. Seu pai - Gonçalo Paredes, que se formou na Universidade em 1912, e seu tio, Manuel Paredes - foram seus antecessores na arte difícil de tocar guitarra.
Artur Paredes foi, assim, o continuador de uma tradição familiar. Tradição familiar, aliás, cujo testemunho passou a seu filho - Carlos Paredes - outro genial guitarrista.
Segundo Nélson Correia Borges “Artur Paredes foi o grande fenómeno da guitarra de Coimbra, afastou-a definitivamente da sua irmã de Lisboa, introduzindo-lhe características que melhor se coadunavam com o estilo coimbrão, designadamente o formato da caixa harmónica. Desenvolveu uma técnica insuperável de que foi herdeiro seu filho Carlos Paredes. Introduziu nas suas “variações” a música popular, com predominância da música “futrica” de Coimbra, com extraordinário virtuosismo. Ninguém como ele toca a “Balada de Coimbra”, que passou a encerrar todas as serenatas. Paredes nunca cursou a Universidade, embora a Acedemia o considerasse como membro seu.
De sua profissão “empregado bancário”, Artur Paredes participou em muitos Saraus da Tuna e do Orfeon, até ir residir para Lisboa em 1934. Em Agosto e Setembro de 1925, Artur Paredes deslocou-se ao Brasil, como “artista adjunto” da Tuna Académica.
Mas, para que todos os astros se conjugassem para produzir a “geração de oiro” do Fado de Coimbra, Artur Paredes foi contemporâneo de cantores e autores como Edmundo Bettencourt, António Menano, Paradela de Oliveira, Lucas Junot e Armando Goes.
Artur Paredes, como já foi referido, não se limitou a ser um genial guitarrista e um excelente compositor - ele deu à guitarra coimbrã novas sonoridades, através de uma investigação persistente e sistemática, apoiada por uma outra geração de grandes artistas da construção de guitarras, a família Grácio.
Sobretudo com Edmundo Bettencourt (que, segundo Luis Goes, Paredes preferia a qualquer dos outros cantores da sua geração), Artur Paredes teve intensa colaboração, aliás registada em discos admiráveis, embora gravados com as condições técnicas disponíveis nos anos 20 e 30.
É que, Artur Paredes, não só reinventou e renovou a guitarra coimbrã, não só criou admiráveis composições, como também reconstruiu a arte de acompanhar as vozes dos cantores, de forma sublime. Os seus acompanhantes, as introduções aos fados, a dinâmica, o clima, as atmosferas musicais com que envolvia o apoio instrumental às vozes dos cantores, constituíram uma extraordinária mais-valia, que aliás fez escola em guitarristas que lhe sucederam, como foi o caso de António Brojo e António Portugal.
Para além de todo este virtuosismo, Artur Paredes não gostava de repartir ou partilhar a sua arte com mais ninguém, mesmo que se tratasse de seu filho Carlos Paredes, à altura já também outro genial guitarrista.
Fonte desconhecida
Augusto Hilário da Costa Alves, nasceu em Viseu em Janeiro de 1864 na Rua Nova. A data do seu nascimento é ainda uma incógnita, porquanto o registo de baptismo refere que foi “exposto na roda desta dita cidade pelas cinco horas da manhã do dia sete do dito mês e ano”, sendo baptizaso a 15 do mesmo mês e ano pelo páraco da Sé, com o nome de Lázaro Augusto. Ao receber o crisma em 26 de Maio de 1877, muda o nome para Augusto Hilário.
As dúvidas que se poderiam levantar em relação à sua filiação ficam desfeitas em face da certidão de óbito que refere Augusto Hilário como filho legítimo de António Alves e de Ana de Jesus Mouta. Crê-se assim, que Hilário terá sido fruto de um enlace pré-matrimonial sendo por isso exposto na Roda e posteriormente reconhecido.
Frequentou o liceu de Viseu com o intuito de fazer os estudos preparatórios para a admissão à Faculdade de Filosofia, mas os anos foram passando sem que concluísse a disciplina de filosofia.
Matriculou-se em Coimbra, mas também aí os resultados não foram famosos e revela-se então um apaixonado pela boémia coimbrã, notabilizando-se como cantor de fado e executante de guitarra. Os seus fados correram o país de lés a lés, ficando imortalizado o Fado Hilário.
Em 1889-90, foi examinado no liceu de Coimbra e tendo feito uma prova admirável foi aprovado com boa classificação. Matriculou-se então no 1º ano de Medicina, tendo assentado praça na Marinha Real para obviar à falta de recursos, recebendo um subsídio do Estado.
A sua actividade de fadista e trovador era conhecida pelo país inteiro, em particular na Academia Coimbrã onde era o “Rei da Alegria”. O seu esmerado trato e a sua cordialidade faziam dele o grande animador dos serões académicos. Nos seus fados, interpretou poemas de Guerra Junqueiro, António Nobre, Fausto Guedes Teixeira, para além dos que ele próprio criou.
Parte alta da sua vida de fadista foi a participação na festa de homenagem ao grande poeta João de Deus que se realizou em Lisboa no Teatro D. Maria II, a que se associou a Academia de Coimbra e onde participaram entre outros o Prof. Doutor Egas Moniz. No decorrer do espectáculo, após a sua intervenção e em plena apoteose do público presente, Augusto Hilário atirou para o meio da multidão a sua guitarra, da qual nunca mais nada se soube.
O Ateneu Comercial de Lisboa a 2 de Junho de 1895, oferece-lhe aquela que foi a sua derradeira guitarra e que se encontra actualmente na posse do Museu Académico de Coimbra, por especial oferta da família.
Como poeta escreveu dezenas de quadras que se imortalizaram nos seus fados e das quais se destacam Fado Hilário (36 quadras); Novos fados do Hilário, recolha de um conjunto apreciável de quadras; Carteira de um Boémio, conjunto de versos manuscritos de que se ignora o seu paradeiro.
A sua grande capacidade de improvisar fazia dele uma figura popular e sublime que entusiasmava quem o ouvia tendo actuado em Viseu, Coimbra, Lisboa, Espinho e Figueira da Foz, entre outros lugares.
Foi uma hora de luto nacional aquela que o ceifou à vida no dia 3 de Abril de 1896, pelas 21 horas, vitimado por uma “ictericia grave hypertermica”. Morreu na sua casa da Rua Nova, contando 32 anos. Frequentava então o 3º ano da Escola Médica da Universidade de Coimbra e era aspirante da Escola Naval.
O seu funeral foi imponente, com uma aparatosa multidão que o quis acompanhar até à sua última morada no cemitério da cidade de Viseu onde ficou sepultado em jazigo de família. Em carta de condolências datada de 5 de Abril de 1896, remetida de Mangualde à sua mãe pelos seus colegas é feita a síntese do sentimento académico de então:
Chorado por admiradoras, amigos e conhecidos, chorado por simples amantes do fado, Hilário marcou para sempre a academia conimbricense ao enraizar-lhe a alma que lhe faltava, o fado. A admiração provocada nos seus contemporâneos levou a que o seu nome fosse dado a um jornal que se fundou em Viseu pouco tempo após a sua morte. Em 12 de Junho de 1896, surge nas bancas o Hylário, com a figura do fadista ao centro da 1ª página e tendo a guitarra como ex-libris. Semanário “imparcial e livre de quaesquer agrupamentos partidários”, assim foi também o seu homónimo.
Se nunca foi feita uma biografia do poeta-cantor, referências em jornais e revistas não faltam. Vejam-se, por exemplo, os artigos publicados logo após a sua morte, na revista O Occidente, de 1896, no jornal que teve o seu nome ou noutro semanário de Viseu, A Liberdade, que transcreve em vários números as notícias saídas em jornais de todo o país aquando da sua morte.
Em 1967, a família, por intermédio da Srª Dª Maria Alice Trindade de Figueiredo, entregou ao Museu Académico de Coimbra uma das guitarras que o seu tio-avô dedilhara em muitas ocasiões e que lhe tinha sido oferecida pelo Ateneu Comercial de Lisboa quando ali se deslocou a cantar.
Em 30 de Junho de 1979, é a vez da Camara Municipal de Viseu promover uma grande homenagem ao poeta a que se associou toda a população da cidade e academia Coimbrã, tendo sido atribuído o seu nome a uma rua da cidade e descerrada uma lápide na casa onde nasceu.
Em 1 de Dezembro de 1987, a Associação Académica de Coimbra, recordou o grande Augusto Hilário, por ocasião do I Centenário da Academia, editando um desdobrável onde se podia ler um artigo escrito no Jornal dos Estudantes, de 1 de Maio de 1896, poucos dias, portanto, decorridos sobre a sua morte. É mais um testemunho da dor que a morte da fadista provocou no coração de todos os estudantes, futricas e tricanas de Coimbra.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Nascido em Coimbra a 16 de Fevereiro de 1925, filho de Artur Paredes, neto de Gonçalo Paredes e sobrinho-neto de Manuel Rodrigues Paredes, Carlos Paredes é herdeiro de uma vasta tradição guitarrística familiar. A guitarra corre-lhe nas veias, confundindo-se com o seu próprio sangue. Foi aliás, fruto dessa influência familiar, especialmente a partir da guitarra de seu pai, que Carlos Paredes apreendeu uma outra forma de tocar, mais brusca e violenta, uma guitarra transformada e inovadora, sempre em busca da perfeição. Como ele próprio disse, «foi com meu pai que eu aprendi a tirar da guitarra sons mais violentos, como reacção ao pieguismo langoroso a que geralmente a guitarra portuguesa estava ligada».
Assim se explica que, numa fase concreta da música de Carlos Paredes, tenha acontecido uma forte valorização e um superior aproveitamento das raízes e da tradição da música popular portuguesa, facto que contribuiu decisivamente para o engrandecimento da guitarra portuguesa, tal como acontecera já, mais concretamente, por mérito de Artur Paredes.
Que fique assim bem claro que Carlos Paredes nunca rejeitou a influência que recebeu, tanto da música popular portuguesa como do próprio fado de Coimbra. O que ele soube fazer foi renovar e reinventar a guitarra portuguesa, especialmente a partir de uma geração de 60 revitalizada por novos conceitos sócio-culturais, onde floresciam as vozes de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luís Góis e António Bernardino, bem como a poesia de Manuel Alegre, a guitarra de António Portugal e as violas de Rui Pato e Luís Filipe, em suma, toda uma geração coimbrã que, preservando a riqueza etnomusical que a antecedia, revolucionou a guitarra por dentro da guitarra e cantou valores que a projectariam inevitavelmente no futuro.
Nas suas palavras, «este fenómeno tem origem, remotamente, numa escola própria, que é o fado de Coimbra, com as suas virtudes e as suas técnicas, dando assim as bases necessárias para a evolução que se seguiu».
Mas, até mesmo nessa evolução que se seguiu, é ainda notório um certo espírito de resistência e inovação que Artur Paredes e Edmundo Bettencourt, homens ligados ao início do movimento da «Presença», souberam transformar numa nova atitude musical que, no dizer de Carlos Paredes, fizeram da guitarra «um instrumento diferente, capaz de transmitir uma violência tremenda».
Foi justamente a partir desse ambiente de revolta e inovação, fora de qualquer esquema prévio e rígido de execução, que Paredes começou a construir o seu estilo inovador, feito de trocas de experiências em que os sentidos o levaram a descobrir o instrumento por instinto - aquilo a que chamou "escola de rua", dizendo que «o guitarrista tem de integrar a guitarra em si mesmo, tornando-a a sua voz (...) A música é como se fosse uma voz que fala de emoções».
E essa guitarra inquieta, feita do mesmo sonho com que os nossos marinheiros partiram a descobrir os sete mares, foi a arma, ou a voz, que Carlos Paredes encontrou para melhor exprimir a sua sede de descoberta e com a qual percorre, num incessante «movimento perpétuo», esse desconhecido caminho em busca das melodias que estão para lá do "Bojador", para lá da sua guitarra outra.
Desse gosto pela aventura nasce uma vasta obra musical que, passando pelo Teatro e pelo cinema, faz de Carlos Paredes um dos mais completos compositores/instrumentistas que a guitarra portuguesa conheceu. No teatro, destacam-se, entre outras, as colaborações com José Cardoso Pires na histórica encenação de Fernando Gusmão para o Teatro Moderno de Lisboa, em 1964; com Carlos Avilez, no CITAC, em As Bodas de Sangue, de Garcia Lorca; com o Teatros Experimental de Cascais, em A casa de Bernarda Alba, também de Lorca; ou ainda, já nos anos 70, numa estreita colaboração com o Grupo de Teatro de Campolide, para o qual compôs diversas peças musicais e fez inúmeras selecções musicais.
No cinema, foi também frutuosa a sua com colaboração com diversos realizadores, tais como Manoel de Oliveira, Paulo Rocha ou José Fonseca e Costa, entre muitos outros, cujos filmes originaram belíssimas peças para guitarra, como a Canção Verdes Anos ou o tema Mudar de Vida, dois dos seus ex-libris.
A sua obra fez escola e assume, na cultura musical portuguesa, um valor incalculável. Que as novas gerações de instrumentistas e compositores o saibam perpetuar no tempo, não se limitando a imitar a sua técnica. Se isso é impossível, saibamos respeitar a sua personalidade e transpor para as nossas escalas os valores pelos quais a sua guitarra sempre se entregou à luta. Se o conseguirmos, estaremos certamente no rumo certo.
Manuel Portugal
(Texto escrito para publicação no Jornal de Coimbra)
Nascido há cem anos na cidade do Funchal (1899-1973), Edmundo de Bettencourt é um dos intelectuais ligados ao movimento da Presença que de todo não mereceu a glória a que tinha direito, talvez por um excesso de discrição e modéstia ou ainda porque os tempos de Coimbra desses anos 20 o motivaram para ser, a par de outros cantores como Menano, Paradela ou Góis, um dos aedos dessa Coimbra inspirada nos acordes melodiosos da guitarra de Artur Paredes, em canções que ainda hoje de escutam com toda a comoção e emotividade, como "Samaritana", "Senhora do Almortão" ou "Coimbra Menina e Moça".
E assim Coimbra e os seus mistérios, sem boémias excessivas, fizeram que Bettencourt se tornasse no poeta que em 1930, em edição da Presença, publicaria o seu primeiro livro O Momento e a Legenda, de que Óscar Lopes pôde observar que "nenhum outro presencista viria a abeirar-se tanto do surrealismo, e no entanto esse livro de estreia dir-se-ia exemplificar a mais analítica e conceptualizada escrita, a menos automática, portanto de toda a poesia ligada àquela revista". E o que de facto se revelava mais singular em O Momento e a Legenda era ainda o desejo de manifestar uma experiência própria e dar dela a sua equivalência mais directa "em termos de metáfora ou de tranfiguração".
Regressando a Lisboa no começo dos anos 30, e sem concluir o curso de Direito que o levara até à cidade do Mondego, Edmundo de Bettencourt, nos intervalos da sua actividade profissional como delegado de propaganda médica, não deixava de frequentar os cafés da baixa lisboeta, como o Royal, Gelo, Restauração ou Nacional, onde o pude conhecer em 1963 e saber como pelo seu fino trato e delicadeza pessoal, a par de uma evidente sensibilidade de poeta, mais parecia um príncipe da Renascença que nas deambulações e convívio sempre fraterno com os mais novos sabia disfarçar ou esconder as dificuldades de uma vida levada com um sorriso franco e dissimulando pelo silêncio esses inaudíveis e longínquos Poemas Surdos publicados em 1940. Mas Edmundo de Bettencourt não sabia estar na vida de outro modo, muito fechado em si e atento aos outros, nada exigindo além de um convívio diário feito de sincera camaradagem.
Por isso, foi com grande surpresa que em 1963 se publicou a primeira edição dos Poemas de Edmundo de Bettencourt (col. "Poetas de Hoje" da Portugália) pela atenção lúcida e clara amizade de Herberto Helder, que os fez acompanhar de uma introdução em que apelava à melhor compreensão pela forma pessoal e singular como o Poeta sabia estar na vida e ser um dos poetas que mais silenciosamente ficou (e ainda hoje permanece) no seu canto, sem ao certo deixar de se interrogar: - "De mim o que ficará?".
Mas, à distância de tantos anos, sabemos ainda como do Poeta de O Momento e a Legenda é uma destacada referência na nossa poesia depois de Orpheu, e ser, na opinião então defendida por Herberto Helder, "uma das pouquíssimas vozes modernas entre o milagre de Orpheu e o breve momento surrealista português", porque foi a partir daí "que alguma coisa nova e bela pôde surgir na poesia portuguesa. Talvez então se conceda a Edmundo de Bettencourt, e a alguns mais, o lugar de relevo que é seu". Dito isto em 1963, e em face das reacções críticas que recaíram mais sobre o seu prefácio (que agora também volta a ser incluído nesta edição), é claro que Herberto Helder tinha razão (e ainda hoje a tem) e por isso no post-scriptum que acrescenta reafirma: "Verifico mais do que suporto verificar que se pega em tudo pelos lados de fora, e se não vê aquilo que esperava ser pegado e visto pelos lados de dentro. Ora isto não põe muita fé nas transformações verdadeiras, e parece-me que Edmundo de Bettencourt escreveu os seus trinta poemas expoentes para aqueles tais que ficam em casa com a pouca poesia que se vai exorbitando. E nada há que nos valha, nada para dizer".
Mas, na saudade e memória que guardo de Bettencourt, ainda o oiço cantar-me, num murmúrio de paz e desencanto, talvez de nostalgia e lamento:
Serafim Ferreira
(Edmundo de Bettencourt - POEMAS)
Francisco Paulo Menano nasceu em Fornos de Algodes em 26 de Fevereiro de 1888. É ele quem, verdadeiramente, abre os alicerces da fama para o apelido que ficaria indelevelmente ligado à Academia de Coimbra e um dos que mais contribuiu para que o fado académico ganhe o relevo que haveria de provocar a sua plena compreensão áquem e além fronteiras.
Francisco Menano fez a sua vida escolar em Coimbra e apreendendo, desde muito novo, toda a musical poesia da privilegiada região, pode dar largas ao espírito artístico que sempre o caracterizou e soube transmitir à guitarra com expressão perfeitamente inédita.
Autor do célebre "Fado em dó maior", passou este a ser tocado por todas as gerações de guitarristas, não apenas de Coimbra como até de Lisboa. No entanto, uma teimosa modestia e o generoso intuito de apenas servir a Academia, que tanto amou, evitou que o seu nome ficasse aureolado pelos louros que, em boa verdade, lhe pertencem, no âmbito do fado estudantil.
Já universitário quando seu irmão António Menano chega a Coimbra, a Francisco Menano se deve, em grande parte, o êxito registado, visto que foi ele quem, com invulgar entusiasmo e enorme dedicação orientou a sua "maneira interpretativa", pois soube transmitir-lhe toda a sua inspiração, todo o seu amor à cidade do Mondego, toda a sua poesia que lhe bailava na alma criadora.
No ano lectivo de 1908/9 encontrava-se matriculado, sob o nº 112, no 2º ano da Faculdade de Direito.
No ano lectivo de 1911/12 estava matriculado no 5º ano do período transitório daquela Faculdade. Neste mesmo ano, obteve o grau de bacharel com a classificação de suficiente, com 12 valores.
Concluída a formatura em 1912, deixou Coimbra para se dedicar às suas ocupações forenses, ingressando na magistratura. Dedicando especial carinho à sua carreira, foi louvado por portaria, jámais abandonado a sua guitarra, companheira de tantas serenatas e noitadas pelos saudosos campos do Mondego.
Em 1915, a Livraria Neves anunciou, para breve, o lançamento da música "Quatro Fados de Coimbra", da autoria do Xico Menano.
A seu respeito escreve o Dr. João Falcato: "Francisco Menano - hoje ilustre magistrado - anima toda a actividade musical. A partir deste momento, nem as fogueiras se fazem sem a sua presença, nem as festas sem os seus versos. Nasce o "Passarinho da Ribeira".
O Dr. Divaldo Freitas escreve: "Compositor musical, são de sua autoria inúmeros fados, todos eles do mais requintado gosto ... e era também virtuosos guitarrista, para cujo instrumento compôs algumas variações que se tornaram obrigatórias no reportório dos melhores guitarristas das gerações vindouras."
"Francisco Menano também enriqueceu e enalteceu o fado de Coimbra, compondo inúmeras melodias ... lembrarei "Fado d'Anto", "Fado do 5º ano Jurídico de 1911/12", "Fado de Santa Clara", "Fado da Anciedade", "Fado das Fogueiras", "Fado Canção" e mais alguns, cuja paternidade lhe foi usurpada, sem que ele tomasse qualquer medida de auto-defesa."
"Excessivamente modesto, não queria os louros apenas para si, transmitindo os seus conhecimentos a todos aqueles que demonstrassem interesse pela música genuinamente coimbrã.
Foi Desembargador da Relação de Coimbra e depois da de Lisboa, onde tinha fixado residência.
São também de sua autoria o "Fado das Lapas", "Adeus ó Vila de Fornos" e "Fado Menano".
Nos últimos anos de vida, limitava-se a acompanhamentos, pois os seus dedos já haviam perdido a agilidade e a elasticidade de outros tempos. No entanto, a sua guitarra só emudeceu em 11 de Novembro de 1970, quando o seu coração parou para não mais animar-se.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Fernando Machado Soares nasceu em S. Roque do Pico (Distrito da Horta - Açores), em 3 de Setembro de 1930 e licenciou-se nos finais da década de 50, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Este cantor, poeta e compositor, que ainda hoje continua em intensa actividade artística, começou a cantar em Coimbra, nos anos 50, integrado num histórico grupo de fados e guitarradas, do qual faziam parte, entre outros, Luís Goes, José Afonso, Fernando Rolim e Florêncio de Carvalho, e ainda António Brojo, António Portugal (guitarras), Aurélio Reis e Mário de Castro (violas).
Machado Soares colaborou intensamente com os organismos académicos da altura, tendo-se deslocado ao Brasil com o Orfeon em 1954 e feito o périplo de África com a Tuna, em 1956. Em 1961, já licenciado em Direito, acompanhou o Orfeon aos Estados Unidos da América.
Em 1957, com António Portugal e Jorge Godinho (guitarras) e Manuel Pepe e Levy Baptista (violas), Fernando Machado Soares prepara a gravação de um disco que ficará para a história como um dos momentos mais altos do fado de Coimbra e onde toda a sua criatividade renovadora ficou bem patente: o LP do “Coimbra Quintet”, gravado para a Philips, em Madrid, num estúdio de excelentes condições técnico-acústicas.
Apesar da sua importante colaboração na concepção dos arranjos e de algumas composições suas figurarem no disco, acabou por ser Luís Goes, e não Machado Soares, a registar a sua voz no vinil: - pura e simplesmente, o cantor decidiu não se deslocar à gravação e, à última hora, foi substituído por Luís Goes, o qual, rápida e talentosamente, recebeu o testemunho de Machado Soares e realizou uma brilhante performance em estúdio.
Machado Soares deu um contributo importante na criação das condições da transição do fado clássico para as baladas e para as trovas, que as vozes de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira vieram a imortalizar: sem o contributo de Machado Soares, seguramente que teria sido outra, diferente e menos rica, a trajectória do Zeca e do Adriano (o qual, aliás, gravou muitas composições de Machado Soares).
Durante os seus tempos de Coimbra não era fácil conseguir ouvir cantar Machado Soares: ele só cantava quando lhe apetecia. E não lhe apetecia muitas vezes...
Curiosamente, foi depois de deixar Coimbra e iniciar a sua carreira de magistrado (em comarcas como Guimarães, Santarém, Almada e outras) que Machado Soares, aos fins de semana, rumava à Lusa Atenas para cantar e conviver, acolhendo-se à “sua” República Baco, onde vivera durante os seus tempos de estudante e onde, nessa altura, residiam José Niza (que o acompanhava à guitarra e à viola), Fernando Gomes Alves (outro cantor de fados), Manuel Pepe (já médico, mas ainda residente na República e viola do grupo de António Portugal) e ainda Francisco Bandeira Mateus, que fez versos para alguns dos fados de Machado Soares.
Entretanto, com a transferência para o Tribunal de Almada - já como juiz corregedor - a carreira de Machado Soares conhece imprevistos desenvolvimentos.
Nas noites de Lisboa começa a ser frequentador assíduo de casas de fado, acabando por se “fixar” no “Senhor Vinho”, da fadista Maria da Fé, onde começou a ser acompanhado pelo grande guitarrista Fontes Rocha, pelos violas da casa e, muitas vezes, por Durval Moreirinhas. No “Senhor Vinho”, Machado Soares actuava integrado no elenco dos artistas residentes, cantando sempre canções suas ou do repertório de Coimbra, e deliciando os frequentadores com a expressão da sua voz fortíssima e as “nuances” pianíssimas que imprimia às suas interpretações.
Aliás, o facto de ser juiz de dia e cantor à noite, não caiu bem no Ministério da Justiça, que considerava lesivas da dignidade da magistratura as suas actuações públicas. Machado Soares em nada alterou este seu “desdobramento de personalidade”, continua a cantar onde lhe apetece e, entretanto, chegou ao topo da sua carreira de magistrado, sendo actualmente Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça.
De toda a sua riquíssima obra destaca-se um tema que será um dos mais conhecidos e cantados da música popular portuguesa: a Balada do 6º ano médico “Coimbra tem mais encanto / na hora da despedida”.
Para Machado Soares - e já lá vão mais de 35 anos passados sobre a despedida - Coimbra continua a ter encantos infinitos e a servir de motivação para uma das obras mais importantes da música portuguesa da segunda metade do século.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Natural da Figueira da Foz, João Carlos Bagão, iniciou aí o curso dos liceus que veio completar em Coimbra, em cuja Universidade ingressou, tendo frequentado a Faculdade de Ciências durante três anos até 1948, ano em que abandonou a Universidade e foi para Lisboa.
De muito jovem se sentiu inclinado para o culto da música, iniciando-se na aprendizagem de vários instrumentos de corda, como bandolim, viola, piano e depois guitarra, à qual se dedicou inteiramente, mercê de uma vocação muito acentuada e dos ensinamentos de seu tio, António da Silva Bagão, destacado guitarrista do tempo. Começou a tocar guitarra aos 14 anos, na sua terra natal.
No começo da sua fase adulta, situada no ano de 1944, foi, como todos os guitarristas da época, influenciado pelo estilo de Artur Paredes que considera o autêntico criador de uma escola que deu a merecida projecção à guitarra de Coimbra.
Nesse período em que, pela idade e ambiência local, era mais saliente a nota romântica, compôs: "Variações nº 1 em Lá menor"; "Balada da Evocação à Sé Velha"; "Canção das Velas"; "Variações em Dó Maior" e "Valsa Antiga", temas que divulgou por terras de Portugal e Espanha quando aí se deslocava como guitarrista - solista, integrado na Tuna e Orfeon Académicos. A sua presença em Coimbra ficou tão vincada (e disso nos dá testemunho a geração de guitarristas seguintes que largamente difundiu e difunde as suas músicas), que o podemos considerar, depois de Artur Paredes, o que mais se interessou em divulgar as guitarradas coimbrãs.
Chegado a Lisboa, deixou quase por completo de cultivar os solos de guitarra, e dedicou-se à composição de baladas e trovas coimbrãs, de estilo diferente do clássico, musicando poemas de Edmundo Bettencourt e Leonel Neves. Inserem-se aqui as composições para canto: "Balada da Torre D'Anto"; "Toada do Penedo da Saudade"; "Balada da Sé Velha"; "Cantiga de Amor Ausente" e "Canto a Chorar".
Na década de 50, gravou para a "His Master's Voice" as guitarradas Variações em Lá menor e a "Canção das Velas".
É o autor também das "Noites de Coimbra"; "Reencontro entre dois temas"; "Olheiras Negras" (gravada por Manuel Branquinho); "Balada para Ninguém" (gravada por Luis Goes); "Direcção" (gravada por Luis Goes); "Cantiga para quem sonha" e "Canção duma Tricana" (ambas também gravadas por Luis Goes).
Gravou 2 discos, para além de outros em que actuou como acompanhante, nomeadamente com Luis Goes.
Disco de 78 r.p.m., com acompanhamento de viola de Arménio Silva: Variações em Lá menor; Canção das Velas.
Disco de 45 r.p.m., com acompanhamento de guitarra de Aires d'Aguiar e de viola de Fernando Neto: Balada do amanhecer; Noites de Coimbra; Reencontro entre dois temas; Capricho em Fá sustenido menor.
O tema Canção das Velas teve arranjos de João Bagão, mas a sua autoria foi de seu patrício, Manuel Dias Soares.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Jorge Manuel Casqueiro Lopo Tuna nasceu em Coimbra, em 1937. Viveu e estudou nesta cidade até se licenciar em Medicina, em 1961. Posteriormente fixou-se em Lisboa, onde prosseguiu a sua carreira de médico cardiologista, sendo actualmente professor universitário.
Começou a aprender a tocar guitarra com o tenente Moreirinhas (pai de Durval e Custódio Moreirinhas) e com Júlio Ribeiro.
No final dos anos 50, constitui um grupo de guitarras com Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e José Tito Mackay, com o qual gravou alguns discos de fados e guitarradas, onde estão incluídas as suas primeiras composições: Variações em mi menor,Variações em lá menor e Rapsódia de fados.
Autor de 40 composições para guitarra, todas ela gravadas e dispersas em vários discos, Jorge Tuna sente-se especialmente atraído por Artur Paredes e Afonso de Sousa.
Da discografia de Jorge Tuna constam: Sé Velha - Guitarras de Coimbra (anos 50); Coimbra à noite (anos 50); Jorge Tuna - Coimbra (anos sessenta); Um som diferente nas guitarras de Coimbra (anos sessenta); Coimbra guitars (anos sessenta); Tempos de guitarra (1990); Jorge Tuna - A guitarra de Coimbra (CD - 1997).
Fonte: Fado de Coimbra II, editora Ediclube (1999)
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu a 2 de Agosto de 1929, em Aveiro, filho de José Nepomuceno Afonso, juiz, e de Maria das Dores.
Em 1930 os pais foram para Angola, onde o pai tinha sido colocado como delegado do Procurador da República em Silva Porto. José Afonso permanece em Aveiro, na casa da Fonte das Cinco Bicas, por razões de saúde, confiado à tia Gegé e ao tio Xico, um «republicano anticlerical e anti-sidonista».
Por insistência da mãe, em 1933 Zeca segue para Angola, com três anos e meio, no vapor Mouzinho, acompanhado por um tio advogado em lua-de-mel. Um missionário é a companhia de José Afonso que permanece três anos em Angola, onde inicia os estudos da instrução primária.
Em 1936 regressa a Aveiro, para casa de umas tias pelo lado materno.
Parte em 1937 para Moçambique ao encontro dos pais, com quem vive juntamente com os irmãos João e Mariazinha.
Regressa a Portugal, em 1938, desta vez para casa do tio Filomeno, presidente da Câmara Municipal de Belmonte. Aqui conclui a quarta classe. O tio, salazarista convicto, fá-lo envergar a farda da Mocidade Portuguesa.
Vai para Coimbra em 1940 para prosseguir os estudos. É matriculado no Liceu D. João III e instala-se em casa da tia Avrilete. No liceu conhece António Portugal e Luiz Goes. A família parte de Moçambique para Timor, onde o pai vai exercer as funções de juiz. Mariazinha vai com eles, enquanto seu irmão João vem para Portugal. Com a ocupação de Timor pelos Japoneses, José Afonso fica sem notícias dos pais durante três anos, até ao final da II Guerra Mundial, em 1945.
Nesse mesmo ano começa a cantar serenatas como «bicho», designação da praxe de Coimbra para os estudantes liceais (José Afonso andava no 5.º ano do liceu). Era conhecido como «bicho-cantor», o que lhe permitia não ser «rapado» pelas «trupes». Vida de boémia e fados tradicionais de Coimbra.
De 1946 a 1948 completa o curso dos liceus, após dois chumbos. Conhece Maria Amália de Oliveira, uma costureira de origem humilde, com quem vem a casar em segredo, por oposição dos pais. Faz viagens com o Orfeão e com a Tuna Académica. Joga futebol na Associação Académica de Coimbra.
Em 1949 inscreve-se no primeiro ano do curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras. Vai a Angola e Moçambique integrado numa comitiva do Orfeão Académico da Universidade de Coimbra.
Em Janeiro de 1953 nasce-lhe o primeiro filho, José Manuel. Dá explicações e faz revisão no Diário de Coimbra. São editados os seus primeiros discos. Trata-se de dois discos de 78 rotações com fados de Coimbra, editados pela Alvorada, dos quais não existem hoje exemplares. Os dois discos foram gravados no Emissor Regional de Coimbra da Emissora Nacional.
De 1953 a 1955 cumpre, em Mafra, serviço militar obrigatório. Foi mobilizado para Macau, mas livrou-se por motivos de saúde. Depois é colocado num quartel em Coimbra. Tem grandes dificuldades económicas para sustentar a família, como refere em carta enviada aos pais em Moçambique. A crise conjugal é muito sentida. Após o serviço militar, já com dois filhos, José Manuel e Helena (nascida em 1954), conclui em 1963 o curso na Faculdade de Letras de Coimbra com 11 valores com uma tese sobre Jean-Paul Sartre: «Implicações substancialistas na filosofia sartriana».
Vai dar aulas num colégio privado em Mangualde em 1955/56. Inicia-se o processo de separação e posterior divórcio de Amália (1 de Junho de 1963). José Afonso manterá uma névoa de silêncio em redor desta sua experiência conjugal.
Em 1956 é editado o seu primeiro EP, intitulado Fados de Coimbra.
Em 1956/57 é professor em Aljustrel e em Lagos.
Por dificuldades económicas, em 1958 envia os dois filhos para Moçambique, para junto dos avós. Neste ano fica impressionado com a campanha eleitoral de Humberto Delgado. Digressão de um mês em Angola da Tuna Académica. José Afonso é o vocalista do Conjunto Ligeiro. «Actuámos vestidos com umas largas blusas de cetim, cada uma de sua cor, imitando a orquestra de "mambos" de Perez Prado, o máximo da altura», conta José Niza.
Em 1959 começa a frequentar colectividades e a cantar regularmente em meios populares.
Em 1960 é editado o quarto disco de José Afonso. Trata-se de um EP para a Rapsódia, intitulado Balada do Outono.
De 1961 a 1962 segue atentamente a crise estudantil deste último ano. Convive em Faro com Luiza Neto Jorge, António Barahona, António Ramos Rosa e Pité e namora com Zélia, natural da Fuzeta, que será a sua segunda mulher.
Em 1962 é editado o álbum Coimbra Orfeon of Portugal, pela Monitor, dos Estados Unidos, com «Minha Mãe» e «Balada Aleixo», onde José Afonso rompe definitivamente com o acompanhamento das guitarras. Nestas duas baladas é acompanhado exclusivamente à viola por José Niza e Durval Moreirinhas.
Realiza digressões pela Suíça, Alemanha e Suécia, integrado num grupo de fados e guitarras, na companhia de Adriano Correia de Oliveira, José Niza, Jorge Godinho, Durval Moreirinhas e ainda da fadista lisboeta Esmeralda Amoedo.
Em 1963 é editado outro EP de Baladas de Coimbra.
Em Maio de 1964, José Afonso actua na Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense, onde se inspira para fazer a canção «Grândola, Vila Morena», que viria a ser no dia 25 de Abril de 1974 a senha do Movimento das Forças Armadas (MFA) para o derrube do regime ditatorial.
Nesse mesmo ano é editado o EP Cantares de José Afonso, o único para a Valentim de Carvalho. Também em 1964 é editado, pela Ofir, o álbum Baladas e Canções, que virá a ser reeditado em CD pela EMI em 1997.
De 1964 a 1967, José Afonso encontra-se em Lourenço Marques com Zélia, onde reencontra os seus dois filho. Nos últimos dois anos, dá aulas na Beira. Aqui musicou Brecht na peça A Excepção e a Regra. Em Moçambique nasce a sua filha Joana (1965).
Em 1967 regressa a Lisboa esgotado pelo sistema colonial. Deixa o filho mais velho, José Manuel, confiado aos avós em Moçambique. Colocado como professor em Setúbal, sofre uma grave crise de saúde que o leva a ser internado durante 20 dias na Casa de Saúde de Belas. Quando sai da clínica, tinha sido expulso do ensino oficial. É publicado o livro Cantares de José Afonso, pela Nova Realidade. O PCP convida-o a aderir ao partido, mas José Afonso recusa invocando a sua condição de classe. Assina contrato discográfico com a Orfeu, para quem grava mais de 70 por cento da sua obra.
Expulso do ensino, em 1968 dedica-se a dar explicações e a cantar com mais assiduidade nas colectividades da Margem Sul, onde é nítida a influência do PCP. Pelo Natal, edita o álbum Cantares do Andarilho, com Rui Pato, primeiro disco para a Orfeu. O contrato é sui generis: contra o pagamento de uma mensalidade (15 contos), José Afonso é obrigado a gravar um álbum por ano.
Em 1969 a Primavera marcelista abre perspectivas de organização ao movimento sindical. José Afonso participa activamente neste movimento, assim como nas acções dos estudantes em Coimbra. Edita o álbum Contos Velhos Rumos Novos e o single «Menina, dos Olhos Tristes» que contém a canção popular «Canta Camarada». Recebe o prémio da Casa da Imprensa para o melhor disco, distinção que repete em 1970 e 1971. Pela primeira vez num disco de José Afonso, aparecem outros instrumentos que não a viola ou a guitarra. Trata-se do último álbum com Rui Pato. Nasce o último filho, o quarto, Pedro.
Em 1970 é editado o álbum Traz Outro Amigo Também, gravado em Londres, nos estúdios da Pye, o primeiro sem Rui Pato, impedido pela PIDE de viajar. Carlos Correia (Bóris), antigo músico de rock, dos Álamos e do Conjunto Universitário Hi-Fi, substitui Pato. A 21 de Março, por unanimidade, a Casa de Imprensa atribui a José Afonso o Prémio de Honra pela «alta qualidade da sua obra artística como autor e intérprete e pela decisiva influência que exerce em todo o movimento de renovação da música ligeira portuguesa». Participa em Cuba num Festival Internacional de Música Popular.
Pelo Natal de 1971, é lançado o álbum Cantigas do Maio, gravado perto de Paris, nos estúdios de Herouville, um dos mais caros e afamados da Europa. O álbum é geralmente considerado o melhor disco de José Afonso. A editora Nova Realidade publica o livro Cantar de Novo.
No ano de 1972 o álbum chama-se Eu Vou Ser Como a Toupeira, gravado em Madrid, nos Estúdios Cellada, com a participação de Benedicto, um cantor galego amigo de Zeca, e com o apoio dos Aguaviva, de Manolo Diaz. O livro, editado pela Paisagem, tem apenas o título de José Afonso.
Em 1973 José Afonso continua a sua «peregrinação», cantando um pouco em todo o lado. Muitas sessões foram proibidas pela PIDE/DGS. Em Abril é preso e fica 20 dias em Caxias até finais de Maio. Na prisão política, escreve o poema «Era Um Redondo Vocábulo». Pelo Natal, publica o álbum Venham Mais Cinco, gravado em Paris, em que José Mário Branco volta a colaborar musicalmente. No tema-título, participa Janine de Waleyne, solista dos Swingle Singers, o melhor grupo vocal de jazz cantado da altura, na opinião de José Niza.
A 29 de Março de 1974, o Coliseu, em Lisboa, enche-se para ouvir José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, José Jorge Letria, Manuel Freire, José Barata Moura, Fernando Tordo e outros, que terminam a sessão com «Grândola, Vila Morena». Militares do MFA estão entre a assistência e escolhem «Grândola» para senha da Revolução. Um mês depois dá-se o 25 de Abril. No dia do espectáculo, a censura avisara a Casa de Imprensa, organizadora do evento, de que eram proibidas as representações de «Venham Mais Cinco», «Menina dos Olhos Tristes», «A Morte Saiu à Rua» e «Gastão Era Perfeito». Curiosamente, a «Grândola» era autorizada. É editado o álbum Coro dos Tribunais, gravado em Londres, novamente na Pye, com arranjos e direcção musical, pela primeira vez, de Fausto. São incluídas as canções brechtianas compostas em Moçambique no período entre 1964 e 1967, «Coro dos Tribunais» e «Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante)».
De 1974 a 1975 envolve-se directamento nos movimentos populares. O PREC (Processo Revolucionário Em Curso) é a sua paixão. Cantou no dia 11 de Março de 1975 no RALIS para os soldados. Estabelece uma colaboração estreita com o movimento revolucionário LUAR, através do seu amigo Camilo Mortágua, dirigente da organização. A LUAR edita o single «Viva o Poder Popular» com «Foi na Cidade do Sado» no lado B. Em Itália, as organizações revolucionárias Lotta Continua, Il Manifesto e Vanguardia Operaria editam o álbum República, gravado em Roma a 30 de Setembro e 1 de Outubro, nos estúdios das Santini Edizioni. As receitas do disco destinavam-se a apoiar a Comissão de Trabalhadores do jornal República ou, caso o jornal fosse extinto, como foi, o Secretariado Provisório das Cooperativas Agrícolas de Alcoentre. Desconhecido em Portugal, o álbum inclui «Para Não Dizer Que Não Falei de Flores» (Francisco Fanhais), «Se os Teus Olhos se Vendessem», «Foi no Sábado Passado», «Canta Camarada», «Eu Hei-de Ir Colher Macela», «O Pão Que Sobra à Riqueza», «Os Vampiros», «Senhora do Almortão», «Letra para Um Hino» e «Ladainha do Arcebispo». Francisco Fanhais colaborou na gravação do disco, juntamente com músicos italianos.
Em 1976 apoia a candidatura presidencial de Otelo Saraiva de Carvalho, cérebro do 25 de Abril e ex-comandante do COPCON (Comando Operacional do Continente), apoio que reedita em 1980. Fase cronista de José Afonso, que publica o álbum Com as Minhas Tamanquinhas. O disco tem a surpreendente participação de Quim Barreiros. É, na opinião de José Niza, «um disco de combate e de denúncia, um grito de alma, um murro na mesa, sincero e exaltado, talvez exagerado se ouvido e lido ao fim de 20 anos, isto é, hoje». É a «ressaca» do PREC.
O álbum Enquanto Há Força, editado em 1978, de novo com Fausto, representa mais um exemplo da fase cronista do cantor, ligada às suas preocupações anti-colonistas e anti-imperialistas e à sua crítica mordaz à Igreja. Inclui as participações, entre outras, de Guilherme Inês, Carlos Zíngaro, Pedro Caldeira Cabral, Rão Kyao, Luís Duarte, Adriano Correia de Oliveira e Sérgio Godinho.
Em 1979 é editado o álbum Fura Fura, com a colaboração musical de Júlio Pereira e dos Trovante. O disco inclui oito temas de música para teatro, compostos para as peças Zé do Telhado, de A Barraca, e Guerra do Alecrim e Manjerona, da Comuna. Actua em Bruxelas no Festival da Contra-Eurovisão.
Em 1981, após dois anos de silêncio, regressa a Coimbra com o seu álbum Fados de Coimbra e Outras Canções. Trata-se da mais bela versão do fado de Coimbra, interpretada por Zeca Afonso em homenagem a seu pai e a Edmundo Bettencourt, a quem o disco é dedicado. Actua em Paris, no Théatre de la Ville.
Em 1982 começam a conhecer-se os primeiros sintomas da doença do cantor, uma esclerose lateral amiotrófica. Trata-se, aparentemente, de um vírus instalado na espinal medula que, de uma forma progressiva, destrói o tecido muscular e, normalmente, conduz à morte por asfixia. Actua em Brouges no Festival de Printemps.
Em 29 de Janeiro de 1983 realiza-se o espectáculo no Coliseu com José Afonso já em dificuldades. Participam Octávio Sérgio, António Sérgio, Lopes de Almeida, Durval Moreirinhas, Rui Pato, Fausto, Júlio Pereira, Guilherme Inês, Rui Castro, Rui Júnior, Sérgio Mestre e Janita Salomé. É publicado o duplo álbum Ao Vivo no Coliseu.
No Natal desse ano, sai Como Se Fora Seu Filho, um testamento político. Colaboração de Júlio Pereira, Janita Salomé, Fausto e José Mário Branco. Alinhamento: «Papuça», «Utopia», «A Nau de António Faria», «Canção da Paciência», «O País Vai de Carrinho», «Canarinho», «Eu Dizia», «Canção do Medo», «Verdade e Mentira» e «Altos Altentes». Algumas das canções foram escritas para a peça Fernão Mentes? do grupo de teatro A Barraca. Publicado o livro Textos e Canções, com a chancela Assírio e Alvim. Contra a sua vontade, é publicado pelo Foto Sonoro um maxi-single, Zeca em Coimbra, com um espectáculo dado por Zeca no Jardim da Sereia, na Lusa Atenas, a 27 de Maio. A cidade de Coimbra atribui a José Afonso a Medalha de Ouro da cidade. «Obrigado Zeca, volta sempre, a casa é tua», disse-lhe o presidente da Câmara, Mendes Silva. «Não quero converter-me numa instituição, embora me sinta muito comovido e grato pela homenagem», respondeu José Afonso. O Presidente da República, general Ramalho Eanes, atribui a José Afonso a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa-se a preencher o formulário. Em 1994, o Presidente da República Mário Soares tentou de novo condecorar, postumamente, José Afonso com a Ordem da Liberdade, mas a mulher, Zélia, recusou, alegando que se José Afonso não desejou a distinção em vida, também não seria após a sua morte que seria condecorado.
Em 1983 José Afonso é reintegrado no ensino oficial, tendo sido destacado para dar aulas de História e de Português na Escola Preparatória de Azeitão. Tinha sido expulso em 1968. A doença, agrava-se.
Em 1985 é editado o último álbum, Galinhas do Mato. José Afonso já não consegue cantar todos os temas, sendo substituído por Luís Represas («Agora»), Helena Vieira («Tu Gitana», Janita Salomé («Moda do Entrudo», «Tarkovsky» e «Alegria da Criação»), José Mário Branco («Década de Salomé», em dueto com Zeca), Né Ladeiras («Benditos») e Catarina e Marta Salomé («Galinhas do Mato»). Arranjos musicais de Júlio Pereira e Fausto. Outras canções do álbum: «Escandinávia Bar-Fuzeta» e «À Proa».
Em 1986 apoia a candidatura presidencial de Maria de Lourdes Pintassilgo, católica progressista.
José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica, diagnosticada em 1982. O funeral realizou-se no dia seguinte, com mais de 30 mil pessoas, da Escola Secundária de S. Julião para o cemitério da Senhora da Piedade, em Setúbal, onde a urna foi depositada às 17h30 na sepultura 1606 do quadro 19. O funeral demorou duas horas a percorrer 1300 metros. Envolvida por um pano vermelho sem qualquer símbolo, como pedira, a urna foi transportada, entre outros, por Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Luís Cília, Francisco Fanhais. A Transmédia editou o triplo álbum, o primeiro da história discográfica portuguesa, Agora e Sempre, duas semanas depois da morte do cantor. O triplo disco é constituído pelos álbuns Como Se Fora Seu Filho (1983) e Galinhas do Mato (1985) e por um alinhamento diferente de Ao Vivo no Coliseu (1983). A 18 de Novembro é criada a Associação José Afonso com o objectivo de ajudar a realizar as ideias do compositor e intérprete no campo das Artes.
Fonte desconhecida
Luís Fernando de Sousa Pires de Goes nasceu em Coimbra, em 1933 e licenciou-se em Medicina, em Outubro de 1958.
Sobrinho de Armando Goes (que foi contemporâneo de Edmundo Bettencourt, António Menano , Lucas Junot, José Paradela D'Oliveira, Almeida D’Eça e Artur Paredes), Luis Goes cedo se iniciou nas cantorias do fado por influência de seu tio.
“Toda a minha família, sobretudo da parte de meu pai, se tinha mais ou menos dedicado ao canto e à execução de instrumentos de corda: o pai tocava viola, a mãe, piano, e o tio, Armando Goes, foi um dos nossos mais importantes cantores e compositores dos anos 20”.
Aos 14 anos já era considerado uma espécie de “menino prodígio” e teve a honra de ser acompanhado em festas e reuniões de convívio de antigos estudantes, por Artur Paredes, Afonso de Sousa e até por Francisco Menano, irmão mais velho de António Menano . No liceu D.João III, em Coimbra, foi colega e comtemporâneo de António Portugal e de José Afonso e com eles veio a integrar o grupo de António Brojo, com o qual fez as suas primeiras gravações, em 1953.
“A primeira canção de Coimbra que cantei em público foi precisamente numa festa do 7º ano do liceu. O Ângelo de Araújo é que a fez e chamava-se Feiticeira”.
Afonso de Sousa, guitarrista, compositor e acompanhante de Artur Paredes, comparou o cantor a Edmundo Bettencourt: “Luis Goes viria a revelar-se um dos mais brilhantes cantores que passaram por Coimbra, mas cujo fogo, alimentado que fosse para fora do ambiente tão propício à inspiração e à difusão, como o do Mondego, não lograria a glória a que se guindou. Num possivel confronto com Edmundo Bettencourt - a quem aliás tanto admira - Luis Goes não sairia diminuido”.
João Conde Veiga que o acompanhou à viola nos anos 50, considera Luis Goes “o melhor cantor que terá passado por Coimbra, “in illo tempore”, em todos os tempos”.
Luis Goes nos seus tempos de estudante, pertenceu ao Orfeon Académico, onde foi solista do naipe de barítonos e ao Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra, TEUC, dirigido pelo Professor Paulo Quintela.
Colaborou também com outros organismos académicos, em especial com a Tuna. Em Coimbra, e para além do grupo de António Brojo, foi acompanhado (ainda no liceu) por Manuel Mora à guitarra e por Manuel Costa Brás, à viola. Posteriormente, até 1958, foi ainda acompanhado pelas guitarras de Fernando Xavier, Jorge Godinho, Dário Cruz, David Leandro Ribeiro, José Niza e pelas violas de Aurélio Reis, Mário de Castro, Manuel Pepe e Levy Baptista.
Terminado o curso de Medicina em 1958, Luis Goes fixou-se em Lisboa como médico estomatologista. De 1963 a 1965 o cantor prestou serviço militar na Guiné, na guerra colonial, como alferes-médico. Mas depois, continuou a sua carreira artística, como aliás se demonstra pela quantidade de discos que gravou a partir dessa altura.
Nesta segunda fase, Luis Goes foi acompanhado, à guitarra, por Carlos Paredes (que com ele participou na gravação de discos, embora sob pseudónimo), por João Bagão, António Andias, Aires de Aguiar e esporádicamente, por Jorge Tuna; à viola, por Fernando Alvim, João Gomes, António Toscano, Fernando Neto e Durval Moreirinhas.
Para além de excelente intérprete, Luis Goes é também autor da música e da letra de muitos fados e baladas de Coimbra (25 e 18 respectivamente).
Fez as suas primeiras gravações em 1953, ainda em discos de 78 rotações por minuto, acompanhado por António Brojo e António Portugal, à guitarra, e por Aurélio Reis e Mário de Castro, à viola. Desse conjunto de 8 discos fazem também parte as primeiras gravações de José Afonso, de Fernando Rolim e as guitarradas de António Brojo, todas elas integradas nesta colectânea.
Em 1957, Luis Goes voltou a gravar, desta vez no estrangeiro (em Madrid e para a Philips), o célebre disco do “Coimbra Quintet”, de que são conhecidas em Portugal, pelo menos 15 edições com capas diferentes. Será, provávelmente, o disco de fados e guitarradas mais vendido até hoje. Nesta gravação, Luis Goes é acompanhado por António Portugal e Jorge Godinho (à guitarra) e Manuel Pepe e Levy Baptista, (à viola). Entretanto, em 1954, já Luis Goes se tinha estreado na televisão, no Canal 7 da TV Paulista, quando o Orfeon de Coimbra foi convidado a participar no 4º Centenário da Cidade de São Paulo.
Luis Goes foi também um dos cantores que actuaram na primeira serenata de Coimbra transmitida em directo pela RTP, em 1957, de um olival junto aos velhos estudios do Lumiar e com a realização de Ruy Ferrão, (curiosamente filho do compositor da célebre canção “Coimbra” - Raul Ferrão).
Até ao presente, Luis Goes tem continuado uma actividade artística regular, embora condicionada pela sua actividade como médico estomatologista: gravação de vários LP’s; actuações em programas de televisão em Espanha, França, Suécia, Áustria, EUA, Brasil, África do Sul, etc, e ainda participação em espectáculos de grande dimensão cultural (Universidade de Georgetown - Washington - Congresso de Cultura da Língua Portuguesa; aniversário das Nações Unidas - Genéve; homenagem a Beethoven - Viena).
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi fundador do CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra. Dirigiu o jornal A Briosa, foi redactor da revista Vértice e colaborador de Via Latina.
A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961, sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da ilha, com Melo Antunes. Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma tentativa pioneira de revolta militar. É preso pela PIDE em Luanda, em 1963, durante 6 meses. Na cadeia conhece escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e António Cardoso. Colocado com residência fixa em Coimbra, acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em 1964.
Passa dez anos exilado em Argel, onde é dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade. Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967) são apreendidos pela censura, mas passam de mão em mão em cópias clandestinas, manuscritas ou dactilografadas. Poemas seus, cantados por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, tornam-se emblemáticos da luta pela liberdade. Regressa finalmente a Portugal em 2 de Maio de 1974, dias após o 25 de Abril.
Entra no Partido Socialista onde, ao lado de Mário Soares, promove as grandes mobilizações populares que permitem a consolidação da democracia e a aprovação da Constituição de 1976, de cujo preâmbulo é redactor.
Deputado por Coimbra em todas as eleições desde 1975 até 2002 e por Lisboa a partir de 2002, participa esporadicamente no I Governo Constitucional de Mário Soares. Dirigente histórico do PS desde 1974, é Vice-Presidente da Assembleia da República desde 1995 e é membro do Conselho de Estado (de 1996 e 2002 e de novo em 2005). É candidato a Secretário-geral do PS em 2004, naquele que foi o mais participado Congresso partidário de sempre.
É sócio correspondente da Classe de Letras da Academia das Ciências eleito em Março de 2005.
Sobre a sua obra poética, reeditada sucessivas vezes, Eduardo Lourenço afirmou que “sugere espontaneamente aos ouvidos (...) a forma, entre todas arquétipa, da viagem, do viajante ou, talvez melhor, peregrinante”. O livro Senhora das Tempestades (14.000 exemplares vendidos num mês) inclui o poema com o mesmo nome, que Vítor Manuel Aguiar e Silva considerou “uma das mais belas odes escritas na língua portuguesa”.
Publicou os romances Alma (12 edições) e A Terceira Rosa, duplamente premiado. Segundo Paola Mildonian, Manuel Alegre “canta a dor e o amor da história com acentos universais, com uma linguagem que (...) recupera em cada sílaba os quase três milénios da poesia ocidental”. No Livro do Português Errante, Manuel Alegre, segundo Paula Morão, emociona e desassossega: “depõe nas nossas mãos frágeis as palavras, rosto do mundo, faz de nós portugueses errantes e deixa-nos o dom maior (...) – os seus poemas”. O seu livro, Cão como nós, vai na 15ª edição.
Fonte desconhecida
Nascido em São João da Pesqueira em 15 de Fevereiro de 1904, apareceu em Coimbra em finais de 1924, para matricular-se na Faculdade de Direito. Vinha de Lisboa, onde leccionava, dado que era possuidor de diploma da Escola Normal de Vila Real.
Dono de excelente voz, bem depressa aprendeu a cantar o “Fado de Coimbra” e com tal perfeição e sentimento que obteve “carta de alforria” apesar de caloiro... Sentindo a “Coimbra-Doutora” em toda a sua plenitude, apaixonou-se por ela e aspergiu, pelas ruas, sentimentais melodias. Ali permaneceu 4 anos, tendo sido um dos mais libérrimos e dadivosos cantores que passaram por Coimbra, cantando por gosto, comprazendo-se em prodigalizar os méritos com que a natureza o dotara e que lhe assinalaram merecido prestígio.
Paradela de Oliveira, enquanto estudante, gravou alguns discos, alguns deles em Inglaterra:
Um Fado de Coimbra - Alexandre de Resende Um Fado Triste - Fortunato da Fonseca Fado de Santa Cruz - Fortunato da Fonseca Fado da Sé Velha - António Menano O meu menino - Alexandre de Resende Fado das penumbras - Paradela de Oliveira Fado da Vida Fado antigo Fado do 5º ano médico 1926 - Álvaro Teixeira Lopes Amor de estudante - José Pais
Afonso de Sousa assim se referiu a Paradela: “Paradela trouxe preso a si um público numeroso e fiel, enamorado da extensão de sua voz. Um pouco incerto nos graves, atinga nos agudos uma riqueza de efeitos, dominando e vencendo a nossa expectativa”.
Por motivos desconhecidos, Paradela deixou Coimbra, regressando a Lisboa, onde terminou o curso jurídico em 1930, radicando-se na Capital com escritório de advogado. Apesar de afastado nunca deixou de cantar, deslocando-se frequentemente a Coimbra. Mais tarde gravou mais dois discos, cada um com quatro fados:
Disco 1:
Disco 2:
O Dr. Afonso de Sousa comentou assim, na altura, estas novas gravações: “Depois de ouvir e saborear a sua final gravação, apresentada sob a legenda “Saudades de Coimbra”, apraz-me registar a justiça de uma rectificação ao que então escrevi: Paradela de Oliveira, ao contrário do que seria natural, não perdeu qualidades com o amadurecer dos anos. Dissipou-se-lhe a incerteza nos graves a que então aludi e, na verdade, se já cantava bem, presentemente canta como nunca”.
Os jornais do dia 20 de Setembro de 1970 estampavam a notícia da sua morte, em consequência de um “mal súbito”, ocorrida em Madrid no dia 18 de Setembro de 1970, onde se encontrava a passar férias.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html
António Saturnino Sutil Roque nasceu em 1932, em Campo Maior.
Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1952 e licenciou-se em 1958. É especialista em Medicina do Trabalho e Medicina Aeronáutica. Em Coimbra fez parte da Tuna Académica e foi solista do Orfeon.
Começou a cantar o Fado de Coimbra por mero acaso - uma noite ia na rua, a caminho de casa, e deparou com uma serenata onde estavam vários amigos seus, entre os quais um guitarrista, José Pais Alexandre. Os cantores não eram famosos e, por razões de “solidariedade”, pediram-lhe para dar uma ajuda, já que era solista do Orfeon. Saturnino Roque experimentou cantar o fado “Dizem que as mães querem mais / ao filho que mais mal faz” e, daí para a frente, não mais parou de interpretar o Fado de Coimbra.
Foi Júlio Ribeiro, guitarrista, quem o lançou no meio, com ensaios de preparação na República dos INKAS. Em 1954 foi a estreia oficial, num espectáculo da Tuna, no Teatro Avenida, alternando com Fernando Rolim.
Pouco depois, António Portugal, líder da guitarra coimbrã na altura, integrou-o no grupo das serenatas da Emissora, com José Afonso, Fernando Rolim, Fernando Machado Soares e Luís Goes.
Em 1956, com Fernando Machado Soares e Luís Goes, grava para a etiqueta “Alvorada” uma série de três EP’s, acompanhado por António Portugal e Jorge Godinho (à guitarra) e Manuel Pepe e Levy Baptista (à viola).
Em 1960 voltou a gravar, desta vez num disco editado nos Estados Unidos da América para a etiqueta “Monitor” e que serviu de apresentação e promoção da digressão do Orfeon a esse país, em 1961. Foi acompanhado por Jorge Tuna e Jorge Godinho (guitarras) e José Niza e Durval Moreirinhas (violas). O LP em referência, para além de algumas peças do Orfeon, incluiu também fados interpretados por Sousa Pereira e Barros Madeira e, ainda, as duas primeiras baladas de José Afonso exclusivamente acompanhadas à viola por José Niza e Durval Moreirinhas: “Minha Mãe” e “Balada Aleixo”.
Sutil Roque só em 1985 voltou a gravar, desta vez o LP “De Coimbra para a UNICEF”, um disco de ajuda às crianças apoiadas por esta Organização e onde também registaram as suas vozes Jorge Gouveia, Ângelo de Araújo, Alexandre Herculano, Augusto Camacho, Fernando Rolim e Luís Goes.
Com o Orfeon Académico, no qual era solista, Sutil Roque deslocou-se ao Brasil (1954), a Espanha (1957), aos Açores e Madeira (1960). E com a Tuna, a Angola (1958).
Em 1961 voltou de novo ao Brasil, integrado numa embaixada portuguesa (“Voo da Amizade”) da qual também fez parte Amália Rodrigues.
Em Lisboa, onde se fixou, trabalhando como médico aeronáutico na TAP, foi acompanhado por Carlos Paredes e João Bagão, entre outros.
Sutil Roque, cantando o Fado de Coimbra, foi protagonista de dois eventos “históricos”: Em 1957, com Luís Goes, Fernando Rolim e o grupo de António Portugal, cantou na primeira serenata de Coimbra transmitida em directo pela RTP, do olival junto aos velhos estúdios do Lumiar, numa emissão realizada por Ruy Ferrão. Em 1958, na Récita de Despedida do seu curso do 6º Ano Médico, Sutil Roque é o cantor de serviço e ao serviço de duas composições de Fernando Machado Soares: um fado e uma balada.
A balada era, nem mais, nem menos, a “Balada da Despedida” - universalmente conhecida por “Coimbra tem mais encanto...”
Aconteceu que Fernando Machado Soares, só na véspera da Récita e depois de muitas pressões de Sutil Roque, compôs a segunda parte da célebre canção. O solo seria do cantor, mas havia que ensaiar o coro de finalistas, que eram cerca de cem! O ensaio lá se fez, no CADC (Centro Académico da Democracia Cristã) e, no dia seguinte, enquanto Sutil Roque fazia o coro à frente dos finalistas, Fernando Machado Soares, escondido no meio das dezenas de cantantes, e a sua potente voz, lá ia avivando a memória musical dos novos médicos que nem sequer tinham tido tempo de aprender a letra e cantar a melodia!
Sutil Roque, que terminou o seu curso em 1958 (no mesmo ano de Fernando Machado Soares e um ano depois de Luís Goes e Fernando Rolim), considera-se sobretudo influenciado pelos seus contemporâneos e admira, em especial, Edmundo Bettencourt e Artur Paredes.
Fonte: http://www.cidadevirtual.pt/fadocoimbra/index.html