História do Fado de Coimbra

História do Fado de Coimbra

Génese do Fado ou Canção de Coimbra

O chamado Fado ou Canção de Coimbra partilha uma génese similar à de inúmeros outros estilos musicais. Resulta da fundição harmoniosa e particular de um conjunto de influências que se congregavam um pouco por todo o país em finais do séc. XIX.

A envolvente social do Fado de Coimbra nessa altura era singular. A cidade universitária de Coimbra acolhia estudantes de todo o país que, longe de casa e da família, se organizavam em repúblicas, trupes e tertúlias. A vida boémia era propícia ao convívio e à prática da música, essa linguagem universal que não encontra fronteiras nem ideais estanques.

Eram patentes na Universidade os usos e costumes recorrentes um pouco por toda a Europa. Desde a idade média que havia grupos itinerantes de estudantes universitários que tocavam música ao longo do trajecto que percorriam desde a sua terra até à universidade onde estudavam. Paralelamente, agrupamentos de estudantes como os Goliardos e os Sopistas organizavam-se de modo a garantir o seu sustento e, simultâneamente, algumas regalias por parte dos integrantes mais novos. Portugal, ainda que distante da Europa central, não era imune a estas influências, e acolheu algumas destas práticas, das quais ainda hoje se vislumbram traços nos meios académicos.

Da prática da música e das serenatas até à construção de uma música nova foi um passo. Os estudantes recolhiam temas populares das suas terras, que levavam para Coimbra, onde se revestiriam de uma nova estética musical, mais solene e saudosa, e interpretada sobre um pano de fundo constituído por violas toeiras e violas de cordas de aço. Entre os pioneiros na interpretação da guitarra em contexto de serenata, encontramos os nomes dos estudantes José Dória e Augusto Hilário.

O Fado de Coimbra assim nasceu, motivado pela arte e pelo engenho da estudantes e futricas que conviviam diariamente. Apesar de nunca ter sido exclusivo dos académicos, é esmagadora a sua influência e projecção desde o início.

O Início do Século XX

Nas primeiras décadas do séc. XX, o Fado de Coimbra sofre naturalmente a influência das correntes artísticas em voga na altura. O Romantismo impera nas composições que surgiram na altura, conferindo-lhes uma aura dionisíaca e fatalista. Às canções populares, alegres e tradicionais, juntam-se agora temas mais tristes e pesarosos.

Chegam também algumas influências de Lisboa, conforme se comprova na obra gravada por António Menano. A estética do Fado de Coimbra e do Fado de Lisboa ainda não se apartava tanto como nos dias de hoje, o que resultou num choque cultural em que se verificaram algumas trocas de influências mas também um gradual distanciamento na forma e na interpretação dos dois géneros musicais.

O Fado de Coimbra era amiúde acompanhado ao piano, o que atesta a indefinição que existia na construção da identidade do género, num meio social em que conviviam estudantes deslocados e a população futrica local.

A Geração de Oiro dos Anos 20

Com a chegada da segunda década do séc. XX, surgem cultores que viriam a revolucionar o Fado de Coimbra e a demarcá-lo como uma corrente própria.

Artur Paredes adopta a guitarra portuguesa e imprime nas suas composições uma forma de tocar inovadora, aliada à tradição musical que herdara. Introduziu também mudanças que marcariam até à actualidade o modo de tocar e de interpretar o Fado de Coimbra. Acentuou o cariz solista da guitarra, quer a nível de execução a solo quer de acompanhamento, e dotou-a de uma caixa harmónica maior, conferindo-lhes uma maior projecção de som, apropriada para se tocar ao ar livre.

A par de Artur Paredes, um barbeiro e guitarrista de Coimbra, de seu nome Flávio Rodrigues, começava a ensinar a jovens guitarristas a sua arte. Os seus ensinamentos viriam a produzir bons frutos a partir dos anos quarenta e cinquenta.

Por sua vez, a voz e os temas criados por Edmundo de Bettencourt trouxeram uma aura nova e refrescada, com temas mais enérgicos e elaborados. Contrapondo o modelo até então existente, assente sobretudo em duas quadras onde se repetia cada dístico, produzem-se temas com uma poética mais rica em contexto e em forma.

São recuperados também temas populares um pouco de todo o país. Mas contrariamente aos primórdios deste género musical, não modificaram a forma nem a sonoridade do Fado de Coimbra; foram antes modificados pelo género musical de chegada. Já havia definitivamente uma identidade musical no fado dos estudantes.

Os Anos 40

Nos anos 40 assiste-se a uma consolidação do trabalho que precedeu a geração que então frequentava a Universidade. Os temas e as inovações da chamada "Geração de Oiro" fariam uma enorme sombra sobre este período que, embora não tenha sido tão marcante como o anterior, lançou bases para a continuação e evolução do fenómeno.

Não cessaram as actividades académicas, do mesmo modo que o Fado de Coimbra não estagnou, permanecendo bem vivo nas ruas da cidade. Mais a norte, a Universidade do Porto encontrava-se já amadurecida, verificando-se uma migração sazonal de estudantes entre as duas academias. Muitos estudantes de Coimbra rumavam ao Porto para terminar as suas licenciaturas. Algumas práticas, incluindo o Fado de Coimbra, difundiram-se pela Universidade portuense, e há mesmo composições da cidade Invicta que vieram a integrar o cancioreiro coimbrão.

É uma época pouco retratada a nível de gravações fonográficas, que são escassas face ao período que viria a seguir. Contudo, este canto académico não esmoreceu e encontrou dignos intérpretes que ainda hoje participam activamente em espectáculos.

A Segunda Vaga dos Anos 50 e 60

Em meados do séc. XX assiste-se a uma explosão nos meandros académicos e em todas as manifestações a eles adstritas. Uma nova geração, sedenta de mudança e de um reencontro com o que de melhor existira no passado, imprime um novo fulgor no Fado de Coimbra.

Assiste-se à constituição de uma segunda "Idade de Oiro", exímia a nível da interpretação de velhos temas e sobretudo a nível da criação de novos temas e novas correntes dentro do Fado de Coimbra. A evolução dos meios de comunicação social potenciou esta evolução, sendo difunidas as primeiras serenatas televisionadas.

Também a produção fonográfica se revitalizou. O histórico álbum do Coimbra Quintet viria a marcar profundamente o fenómeno, legando à posteridade as primeiras gravações de Fado de Coimbra em muito tempo.

Compositores como Fernando Machado Soares e Ângelo de Araújo viam difundidas muitas peças de inegável qualidade, e instrumentistas como António ortugal e António Brojo recuperavam o melhor do género musical, introduzindo-lhe algumas inovações que até hoje se mantêm, como a adopção em definitivo da viola dedilhada com cordas de nylon.

Os tempos de mudança encontraram voz em novos cantores e compositores que continuaram esta vaga. José Afonso e Adriano Correia de Oliveira desenvolveram a vertentes Trova e Balada dentro do Fado de Coimbra, e Luiz Goes começou a trabalhar um repertório singular e inovador, em estreita colaboração com Leonel Neves e João Bagão.

Os Conturbados Anos 70

Nos anos 70, em plena Crise Académica, o canto académico voltava-se contra a repressão imposta pela ditadura de Salazar. São prementes as presenças dos cantores José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, o guitarrista António Portugal e o poeta Manuel Alegre.

As tensões vividas no seio das comunidades académicas não davam azo a grandes manifestações musicais, que nesse período serviram mais como poderoso aliado na mobilização popular contra o regime fascista.

Com a revolta do 25 de Abril de 1974, e o natural distanciamento da Universidade de Coimbra dos ex-estudantes da pré-revolução, nota-se um esmorecer na prática do Fado de Coimbra, em detrimento da individualização artística e consagração dos seus cultores, sobretudo de José Afonso.

O Resurgimento das Tradições académicas

No final da década de 70, sentiu-se a necessidade de readquirir o espólio académico que se abandonou aquando das crises académicas e do período revolucionário do 25 de Abril. O Fado de Coimbra, tal como todas as tradições académicas, estava esquecido.

Foi dura a reabilitação dos usos e costumes académicos nas universidades do Porto, Coimbra e Lisboa no período pós-revolucionário. Em 1978 organizou-se uma Serenata Monumental na Sé de Coimbra, que sofreu fortes contestações partidárias, e no ano seguinte o mesmo aconteceu na cidade do Porto. Mas em ambas as academias foi imparável o readquirir das tradições académicas ao longo dos anos 80.

Em Coimbra voltavam à actividade os intérpretes dos anos cinquenta e sessenta, ao passo que se formavam novos agrupamentos de estudantes, impulsionados pelas escolas regidas pelo mestre Jorge Gomes.

No Porto, o Orfeão Universitário via surgir com novo fulgor o seu grupo de fados, sensivelmente na mesma altura em que surge o Grupo de Fados da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Ambos os grupos viriam a participar ininterruptamente em todas as Monumentais Serenatas da Queima das Fitas que entretanto se realizaram.

O Panorama Actual

No início do séc. XXI, o panorama do Fado de Coimbra é animador. Após mais de cem anos de história, este género musical encontra-se bem vivo por todo o país, sendo interpretado por centenas de grupos de estudantes e ex-estudantes.

O espólio musical é actualmente avassalador. Apesar de existir apenas desde o final do séc. XIX, o Fado de Coimbra conta no seu cancioneiro com milhares de temas, entre Fados-Canção, Trovas, Baladas, músicas populares adaptadas e variações. Existem gravações de qualidade produzidas por intérpretes de excelente calibre como Carlos Paredes, Jorge Tuna, o Coimbra Quintet e Luiz Goes.

O espírito empreendedor dos actuais cultores do Fado de Coimbra tem-se voltado maioritariamente para o cancioneiro já existente e consagrado em inúmeras gravações, pugnando pela recuperação e enlevação de velhos clássicos e do repertório já esquecido. Contudo, a pouco e pouco despontam novos cultores e ideias que a seu tempo têm produzido novos temas, inovando sem renegar as raízes culturais e estéticas que amadureceram ao longo do século XX.